Posição ou missão?

Por Renato Moura

Anos antes do 25 de Abril de 74, um Presidente de Câmara, dias depois de nomeado pelo Governador Civil, entrou nos paços do concelho com um vereador e com arrogância ditaram ordens. O sagaz Chefe de Secretaria, mal eles saíram, comentou: coitadinhos, tão pequeninos e já «alevantadinhos» de trás!

Acaba de ser notícia que os candidatos eleitos pelas pequenas forças políticas, ainda antes de a Assembleia da República reunir, já verberaram aqueles que decidiram, por ora, o local onde se vão sentar. Reclama-se o direito de um decidir… calando os 229?! O importante não é a representação dos eleitores, são as boas posições!

Também foi noticiado que um dos novos cardeais, o jesuíta Michael Czerny, optou por uma cruz feita da madeira dos destroços de um barco naufragado, usado por migrantes para atravessar o mar Mediterrâneo e chegar a Lampedusa. O jesuíta escolheu, para o seu brazão, um barco com pessoas e fez inscrever a palavra Suscipe (receber). Em vez de se instalar na cadeira, deu logo sinal da continuação da missão em favor dos migrantes, orientado pelas palavras de Jesus “era estrangeiro e hospedastes-me”. Reteve e segue as orientações do Papa Francisco: acolher, proteger, promover e integrar.

Há pouco mais de três anos o P.e Davide Barcelos ofereceu-me um livro, de excelente qualidade, de José Tolentino Mendoça: Nenhum Caminho será Longo – Para uma teologia da amizade.  Escolha perfeita sinalizando a grande amizade contruída na sinceridade e frontalidade. Ele valorou, como que pressentindo, o que seria Tolentino.

Não disserto sobre os méritos do Cardeal. Muitos já o fizeram muito melhor do que eu o faria; também no IA.

Mas as notícias que acima referi, trouxeram-me à memória o tal livro. Transcrevo, a propósito: “Quem sabe usar o silêncio, sabe usar o tempo” e desenvolvia “(…) estamos num caminho de transformação que cada um tem de fazer e nos pede verdade, aprendizagem e renúncia. A primeira renúncia é a da obsessão pela omnipotência. Temos de ter a coragem de perceber e aceitar os limites (…)”. Lembrava também que “O filósofo Blaise Pascal dizia que toda a infelicidade humana provém de uma única coisa: não sabermos estar quietos num lugar”. E ensinava: “Mas não foi apenas a quietude a tornar-se hoje em dia uma virtude fora de moda. Nós próprios nos tornámos uma espécie de «doentes do tempo». Parece que temos de viver sete vidas num só dia, ofegantes, ansiosos, desencontrados e meio insones. Um desenvolvimento sereno do tempo não nos basta.”

Se ansiosos pela posição perde-se a missão.

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