Reitor do Seminário diz que a sociedade exige “maior profissionalismo” aos sacerdotes

Aos 36 anos é um dos mais jovens reitores da rede de seminários do país, cargo que ocupa há dois anos. Doutor em Direito Canónico, Hélder Alexandre, defende um ensino exigente e quer o reconhecimento curricular do seminário enquanto faculdade de teologia.

Portal da Diocese (PD)- É um dos reitores mais novos dos seminários portugueses. Esta aposta na juventude por parte do Senhor Bispo traduz-se de que forma no exercício do seu magistério?

Pe. Hélder Alexandre (HA)– Penso que o Sr. Bispo quis simplesmente renovar a equipa formadora do Seminário. A juventude traduz um  renovado entusiasmo e uma maior adaptação aos jovens de hoje, mas isso não significa falta de consideração pelo trabalho anterior. Não é a primeira vez que um Bispo desta Diocese escolhe um reitor novo. Isso já aconteceu ao longo da história. Por outro lado, o Sr. Bispo tem grande preocupação pela qualidade da formação. Não interessa a idade, o mais importante é a qualidade do trabalho.

PD- Os seminários ainda são vistos como uma escola fechada. O facto do seu reitor ser jovem, ter vivido as inquietações próprias da juventude, faz com que a identificação seja maior e, consequentemente, haja uma maior proximidade e entendimento entre os seminaristas e quem dirige a casa?

Pe. HA-  O facto de ser um reitor jovem faz-me compreender um pouco melhor o modo de pensar e de ser dos rapazes que chegam ao Seminário. Tento acompanhá-los em todas as atividades, participo nas suas iniciativas e nos momentos mais informais, como ir ao café e estar um pouco com eles na “esplanada”. Estou convencido que a informalidade revela o que as pessoas são realmente, tornando-se mais fácil perceber e conhecer os seus anseios, alegrias e problemas.

PD-Julgo que fez o sexénio em Angra e depois foi estudar para fora. A forma como dirige hoje o seminário é diferente daquela que encontrou enquanto estudante?

Pe. HA- Penso que é um pouco diferente. Sinto-me muito mais próximo deles do que me senti quando fui seminarista em relação aos meus formadores. Mas não desvalorizo o anterior trabalho das equipas formadoras, às quais estou reconhecido. Os tempos são outros, por isso o Seminário requer novos modos e métodos de pensar e atuar. Contudo, é sempre uma tarefa desafiadora ao nosso modo de entender a formação.

PD- Como se pode definir o seminário como escola?

Pe. HA- O Seminário é uma escola superior de formação e pretendemos obter o reconhecimento curricular enquanto faculdade de teologia afiliada. Contudo, é mais que uma Universidade, porque a dimensão intelectual é apenas um das quatro dimensões básicas da formação, que inclui também as dimensões humana,  espiritual e  pastoral. O Seminário tenta realmente ser o mais completo possível, enquanto escola.

PD- Criou-se um ano propedêutico, de iniciação. Para que serve exatamente?

Pe. HA- O ano propedêutico pretende colmatar algumas lacunas básicas que se acentuaram recentemente. Por um lado, pretendemos dar a formação básica cristã, que nem sempre a catequese e as famílias conseguem fornecer. Por outro lado, melhoramos a formação que deveriam ter tido nas escolas públicas, como o português. Por fim, trata-se de um ano de maior trabalho no sentido do discernimento vocacional.

PD- Antes os jovens iam para o seminário muito novos. Para muitos era aliás a maneira de prosseguir os estudos. Hoje vai-se para o seminário mais tarde. Ainda assim, quando entra no seminário o jovem tem a maturidade suficiente para assumir um compromisso de vida tão sério, onde, naturalmente, tem de abrir mão de muita coisa?

Pe. HA- A imaturidade é cada vez mais uma característica de muitos jovens. Comprova isso o número crescente de nulidades matrimoniais por razões de imaturidade, como acontece no nosso Tribunal Diocesano. A maior idade cronológica não se traduz na maior maturidade psicológica. Amadurece-se mais tarde do que era costume, por isso esperar mais um ano para a ordenação, através do propedêutico, contribui em muito para a preparação.

PD- Pessoalmente, quando e como decidiu comprometer-se com o sacerdócio?

Pe. HA- A minha decisão para o sacerdócio só se tornou mais clara depois dos 15 anos, embora tenha entrado com 10 anos no Seminário Menor de Ponta Delgada, com o objetivo único de estudar, um exagero, segundo a mentalidade de hoje! Com o passar dos anos senti-me mais seguro da decisão tomada, sobretudo nos anos que frequentei o Seminário em Angra. Quem me conhece sabe que levo tudo com muita seriedade e empenho. Contudo, o comprometimento com o sacerdócio é uma tarefa de todos os dias.

PD- A família e os amigos mais próximos entenderam essa opção com naturalidade?

Pe. HA- No início não foi fácil. Os meus pais viram-me sair de casa muito cedo, foi doloroso para as duas partes. Mas hoje estão felizes com a minha opção.

PD- Hoje, uma família dar um filho à Igreja é diferente do que era há 30 ou 40 anos. Vê nisso um constrangimento que justifica a alegada crise de vocações?

Pe HA-Certamente! As famílias têm poucos filhos e ver, por exemplo, o filho único decidir-se por esta vida é difícil. Com o decréscimo da natalidade, sentiu-se o decréscimo de vocações, acentuada por uma sociedade menos comprometida com a Igreja. Contudo, apesar disso temos sido bafejados pela generosidade. Os Açores têm mais vocações sacerdotais do que a média do país.

PD- Mas, os Açores seguem um pouco em contraciclo. A redução de jovens que procuram o seminário não se inverte, ao contrário do que acontece no mundo. Há alguma justificação estudada para isso?

Pe. HA- Penso que isso acontece por três razões. Apesar do decréscimo de cristãos praticantes, temos um ambiente cristão mais propício do que a maior parte da Europa (não diria do mundo, porque existem países e regiões muito melhores). Por outro lado, existe uma presença próxima do Seminário e o interesse de muitos párocos e comunidades em acolher seminaristas para trabalhos de pastoral vocacional, sobretudo na Semana dos Seminários e Quinzena de Vocações. Por fim, os meios informáticos permitem-nos uma presença muito mais imediata. Estamos também no facebook e temos um site www.seminariodeangra.pt, onde quem quiser pode recolher informações.

PD- Há a ideia instalada de que quem abraça o sacerdócio tem de abrir mão de uma vida própria. Concorda com esta visão quase isolacionista?

Pe HA- Não concordo, porque ou a vida própria é o sacerdócio e vice-versa, ou então é melhor optar por outra vida. O grande caminho vocacional é descobrir o que nos faz felizes. Por isso, não se abdica de uma vida própria, mas renuncia-se, à maneira do Evangelho, para uma entrega total.

PD- O que é que pensa sobre a obrigatoriedade do celibato?

Pe HA- A obrigatoriedade do celibato é uma norma disciplinar, não um dogma. Penso que se pensa muitas vezes nisso somente na dimensão negativa, como uma renúncia a uma vida a dois. Contudo, o desafio dessa obrigatoriedade é a de ver o celibato como um dom. Sou celibatário por amor, por entrega a Cristo e aos outros! Entrego-me totalmente, sem condições! O facto de ser obrigatório deve ser encarado com muita seriedade e ponderação. Quando um jovem sente que não está preparado é melhor esperar e discernir. Senão, entra-se numa vida de frustração e duplicidade que só mancha a sua vida e a da Igreja.

PD- Como é que se forma um sacerdote para os dias de hoje?

Pe HA- Existem critérios básicos que incluem a dimensão humana, espiritual, intelectual e pastoral. O sacerdote é formado igualmente para a castidade, pobreza e obediência. Esses critérios são gerais, por isso devem concretizar-se  em inúmeros aspetos, que variam em cada um. Cada rapaz é um mundo de formação! O mundo de hoje é extremamente exigente! O Seminário dá apenas início a um longo caminho. Nenhum de nós se sente plenamente preparado, isso é impossível. Mas um jovem, apenas ordenado, tem as chaves para seguir um caminho com segurança, não tanto em si mesmo, mas no Senhor Jesus. Ele é o grande paradigma! Os discípulos apenas estiveram três anos com Jesus. O seminário exige pelo menos sete.

PD- Um jovem quando entra para a Universidade tira um curso para exercer uma profissão técnica. É assim também no seminário? Podemos entender o sacerdócio como uma profissão?

Pe HA– Não se pode pensar assim. O sacerdócio não é uma profissão de 8 horas por dia durante alguns dias da semana. É uma entrega total, sem horas contadas. Contudo, penso que se exige cada mais profissionalismo, no sentido de competência. Não podemos cometer o erro do amadorismo, com a capa de uma simpatia vazia. As pessoas de hoje são mais exigentes porque têm mais formação, têm mais necessidade de alguém que comunique Deus. Há muito a fazer e teremos a eternidade para descansar, como dizia a Madre Teresa de Calcutá.

PD- Terminam agora as comemorações dos 150 anos do Seminário de Angra. Como perspetiva o futuro, pelo menos à curta distância de uma década?

Pe. HA– Penso que o futuro é de esperança. Esperamos aumentar ou pelo menos manter o número de alunos, dar prioridade a uma formação sempre mais integral e obter o reconhecimento curricular. Contudo, esse trabalho não depende somente dos formadores. Depende da vontade de Deus e do empenhamento de toda a Igreja dos Açores.

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