Pelo Cónego Jacinto Bento

Também, hoje, o peregrino se sente impelido a entrar pelas portas de Jerusalém e a procurar entre as suas estreitas ruas e ruelas, o objecto do seu desejo, enquanto canta com os seus lábios e o seu coração as palavras do salmista: «Que alegria, quando me disseram, vamos para a casa do Senhor! Os nossos pés detêm-se às tuas portas, ó Jerusalém! Jerusalém, cidade bem construída, harmoniosamente edificada (Sl 122, 1 3)».
Quem, por estes dias, tem o privilégio e a graça de ficar hospedado, dentro das muralhas de Jerusalém, pode ver, ouvir, cheirar, sentir, experienciar e cantar tudo isto e muito mais como o salmista.
É indizível o que por estes dias se passa na Cidade Velha de Jerusalém. Uma alegria esfuziante, com a feliz coincidência de três páscoas que são a mesma: a Judaica no Kotel, a Ortodoxa e a Católica.
Jerusalém e o seu coração, o Santo Sepulcro, são o foco de milhões de crentes de todo o mundo, por estes dias, aqui, no hic salvífico.
A Terra e a Cidade são Santas, porque foram santificadas pela presença física do Senhor e empapadas pelo Seu precioso sangue. A cidade está repleta de fiéis de todas as nações que há debaixo do Sol.
A primeira coisa que fiz, hoje, foi visitar a Basílica da Ressurreição, cheia de peregrinos Católicos e Ortodoxos para começarem a preparar o Grande dia.
Primeiro, encontrei-me com o guardião do Santo Sepulcro, que por razões históricas é o detentor da chave de tão importante Basílica para toda a cristandade, o Sr. Wajih Y. Nuseibeh.
Seguidamente, participei na celebração franciscana, na Capela do Santíssimo Sacramento, onde Jesus apareceu a sua Mãe, na Veneração da Coluna da Flagelação, que permanece todo o dia exposta aos muitos fiéis. Depois, fui visitar o Túmulo vazio de Cristo e aproveitei para rezar o Ofício. Ainda tive tempo de visitar, pela primeira vez, a Igreja Greco-ortodoxa de São João Batista no Muristan.
Ao almoço, com o refeitório repleto de bispos, padres, seminaristas, cavaleiros e damas do Santo Sepulcro, vindos de todo o mundo, tivemos a alegria da presença de Sua Beatitude, o Cardeal Pizzaballa, com que tive uma breve audiência sobre a nossa Associação dos Amigos da Terra Santa dos Açores.
Daqui a pouco, todos os que estão no Patriarcado, seguirão com sua eminência em solene procissão com os franciscanos e os Kawas que nos vêm buscar para a primeira celebração oficial, na Basílica da Ressurreição.
Pode-se estranhar a liturgia de Jerusalém, mas ela tem o seu Rito próprio como já era descrito pela Peregrina Egéria, no século IV.
Como no tempo de Cristo, Jerusalém continua cheia de diferenças e contradições, geográficas, culturais e religiosas, entre muitas outras. Mas, de alguma maneira, nesta diversidade reside a sua maior riqueza.
Desde 1997 que aqui venho e foi nesta tarde que percebi in loco, quão pequenino e esmagado está o rebanho dos cristãos na Cidade Santa.
De acordo com o Status Quo (1952), pelas 15:45, os Kawas, com os franciscanos, vieram ao Patriarcado buscar o Patriarca, os Bispos, os Cónegos do Santo Sepulcro e os seminaristas para irem rezar o Ofício, de acordo com a Liturgia de Jerusalém, em frente ao Santo Sepulcro. É uma última preparação do Tríduo Pascal.
A Procissão Litúrgica, com a Cruz Patriarcal e com todos devidamente trajados, desceu a Rua do Patriarca Latino, atravessou a Praça de Omar/Jafa, desceu a Rua do Rei David, virou à esquerda para a Rua do Quarteirão Cristão, entrou na Rua de Santa Helena e chegou à Basílica, onde cada qual tomou assento em frente à Edícula para o canto do Ofício, com nove salmos, leituras e orações que nos fizeram entrar mais no Mistério.
Até aqui tudo bem, se não tivesse sido a passagem na Praça de Omar/Jafa, repleta de judeus que iam e vinham do muro das Lamentações. Mesmo com as forças de segurança, quase que nos esmagaram, não só com o aperto físico, mas também com o olhar, o desdém e umas “bocas” aqui ou ali.
Pensei muito no pequenino rebanho que a Igreja Mãe de Jerusalém há muito fala. Pensei que fizeram pior a Cristo, mas também pensei em Portugal, na Europa e no Ocidente. O que se tem feito para aliviar o sofrimento e as necessidades de quem permanece aqui a dar vida a vida pela Igreja que nasceu em Jerusalém.
Têm-me chegado muitas mensagens de solidariedade com a minha vinda aqui, em tempo de guerra como esta, do meu estimado amigo P. Marco Luciano, que desde já, muito agradeço:
«Desejo-te uma boa estadia na Terra Santa, junto dos nossos irmãos na fé, nessa terra sagrada que respira a memória viva do Senhor.
Num tempo em que tantos decidiram afastar-se por causa da guerra, tu escolheste aproximar-te. Foste, não por imprudência, mas por amor. E isso diz tudo sobre o teu amor à Terra Santa.
É bom estarmos onde nos querem bem… E tu estás num lugar onde o bem resiste, onde a fé floresce mesmo em terreno árido.
Um grande abraço e Santa Páscoa!»