“Sem esta catástrofe, a história de Vila Franca do Campo e da ilha de São Miguel seria outra, bem como a da diocese açoriana”- Administrador Diocesano

Cónego Hélder Fonseca Mendes presidiu à Missa evocativa do abalo de terra que arrasou Vila Franca do Campo a 22 de outubro de 1522

O sismo do dia 22 de outubro de 1522, que destruiu por completo Vila Franca do Campo, e só foi superado nas consequências pelo sismo de 1755 que devastou Lisboa, foi lembrado este sábado numa série de iniciativas promovidas em conjunto pela autarquia e pela Igreja e que culminaram numa missa presidida pelo Administrador Diocesano. O cónego Hélder Fonseca Mendes afirmou que “sem esta catástrofe, a história de Vila Franca do Campo e da ilha de São Miguel seria outra, bem como a da diocese açoriana”, na homilia proferida na Missa a que presidiu esta tarde na Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo na antiga capital da ilha de São Miguel.

Embora “não seja motivo para celebrar festivamente” tal catástrofe, o sacerdote lembrou a Páscoa para salientar, que numa leitura de fé, este terramoto permitiu o surgimento de uma nova realidade, tal como a morte de Jesus venceu o pecado.

“Assim temos uma razão para celebrar a reconstrução da vila, das vidas dos nossos antepassados, rezar pelos que morreram e vivem na comunhão dos santos, e agradecer o fato de hoje estarmos aqui com uma vila pujante, mais forte e alargada, mais prudente nas suas construções e no seu desenvolvimento e mais alegre nas suas gentes” disse invocando a sua própria experiência pessoal no sismo de 1 de janeiro de 1980, em Angra.

“Experimentei em primeira pessoa o terramoto de 1 de janeiro de 1980 que destruiu completamente a cidade de Angra do Heroísmo. É uma experiência que não gosto de recordar nem não pouco simular como já é possível fazer-se. Estou grato de ser um dos sobreviventes”, afirmou o sacerdote.

“Até hoje, ficamos desconcertados, com um sabor agridoce, entre comemorar ou não esse dia, do qual felizmente ressurgiu uma nova cidade com as suas novas gentes” afirmou, destacando, igualmente que estas tragédias naturais são a “consequência natural” da geografia.

“Não há ódios escondidos por resolver como na guerra, nem consta que tenha sido por mau comportamento humano que tenha levado a alterações climáticas. Porém como cristãos, cabe-nos sempre fazer uma leitura crente dos sinais dos tempos na história da salvação”, disse ainda.

A partir da liturgia proclamada, que apresenta a parábola dos dois homens- um fariseu e um publicano- que subiram ao templo para orar, através da qual Jesus mostra, uma vez mais, a sua predileção pelos fracos e pelos marginalizados, que no seu despojamento, na sua humildade e na sua finitude são os que estão mais disponíveis para acolher o dom de Deus, o cónego Hélder Fonseca Mendes interpelou cada um dos presentes na celebração a interrogar-se sobre qual dos dois papeis assume na vida e na relação com Deus e com os outros.

“Estamos diante de situações diferenciadas de dois personagens com quem nos podemos identificar. Um fariseu conotado com a rigorosa observação da Lei e um publicano conotado com os pecadores” disse o sacerdote lembrando que de um lado está o cumprimento da lei centrada na justiça do homem e no outro o despojamento de quem se entrega, com confiança, ao cuidado de Deus.

“O fariseu, que se sente justo, descuida o mandamento mais importante: o amor a Deus e ao próximo. Ele não se dá conta de ter perdido o caminho do seu coração” destacou o cónego Hélder Fonseca Mendes, contrapondo ao publicano que se apresenta “de mãos vazias, sem dar contas do que faz, com o coração despojado e reconhecendo-se pecador, o que mostra a condição necessária para receber o perdão do Senhor. No final é o publicano que se torna um ícone do autêntico crente”.

“Das lições que podemos tirar deste quadro, aprendemos que não basta perguntar quanto oramos, mas sobretudo como rezamos, e mais ainda como é o nosso coração, pois não é possível rezar com arrogância nem com hipocrisia. Devemos orar, pondo-nos diante de Deus tais como somos, sem roupagens”, afirmou alertando para o perigo do “delírio do ritmo diário, muitas vezes à mercê de sensações, atordoados e confusos”.

“É preciso aprender a encontrar o caminho do nosso coração, sem arritmias, recuperando o valor da intimidade e do silêncio, pois é ali que Deus nos encontra e nos fala. A partir daí podemos encontrar os outros e falar com eles”, disse, ainda.

“É possível estarmos próximos, rezarmos lado a lado estarmos separados pela competição, pelo mérito, pela comparação, pelo desprezo ou pela indiferença. A autenticidade da oração, da oferenda feita ao Senhor no culto, passa através da boa qualidade das relações com os irmãos que rezam e formam o Corpo de Cristo”, concluiu.

A celebração da “Subversão de 1522” está intimamente ligada ao surgimento das romarias de São Miguel, que este ano assinalam meio milénio de existência.

Os Romeiros de São Miguel estão, por isso, em festa e a comemoração da efeméride, ao longo de vários meses, tem hoje ainda mais uma iniciativa com o lançamento do livro “Romeiros de São Miguel Arcanjo – 500 Anos de História”, de Carlos Vieira, mestre do Rancho de Vila Franca do Campo que amanhã será o anfitrião da festa do Dia do Romeiro.

 

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