Só a águia voa sozinha

Por Carmo Rodeia

Portugal vive por estes dias a euforia do Europeu de futebol. Poucas coisas galvanizam os portugueses para além desta modalidade desportiva. E digo desta modalidade porque temos feitos desportivos tão ou mais importantes que os do futebol que não ocupam uma milésima parte da atenção dos portugueses como os “donos da bola”. Seja pelos feitos desportivos seja pelas incongruências das suas vidas privadas, que em bom rigor, nada contribuem, na maior parte das vezes, para o heroísmo a que são lançados com a conivência dos media.

Não vou perder mais tempo a falar sobre este assunto. Apenas gostava de perguntar (porque o faço muitas vezes a mim mesma) porque é que nos empolgamos com o futebol e somos tão descrentes nas nossas capacidades empreendedoras?!

Sei que a pergunta pode ser retórica mas não pode deixar de ser feita, tal como todos nós sabemos que a vida não é só feita de futebol. Aliás, uma sociedade não pode ser e viver só disto. Parece que por estes dias deixamos de ter pobres, deixamos de ter problemas sociais e apenas temos heróis da bola, de quando em vez salpicados pelas ameaças que vêm de Bruxelas pela derrapagem do défice.

Afinal de contas o que é que nos une? O futebol ou a nossa condição humana enquanto comunidade?

O Prof. Adriano Moreira que acaba de lançar um livro- “Portugal e a crise global- só a águia voa sozinha”- questiona o que é uma comunidade nacional, respondendo ele próprio com a afirmação de que se trata “de uma comunidade de afecto”.

É importante que esta reflexão seja feita, e que em termos sociais, em termos culturais, haja espaço para ela acontecer. É muito intrigante a situação de marginalidade a que quase tudo no Portugal de hoje é votado, seja na cultura, nas artes, na dimensão social da vida, na literatura, na política ou na casa das famílias portuguesas. E esta discussão não pode ficar apenas para alguns.

Individual e socialmente a discussão destas grandes questões é adiada porque afinal Portugal, de empate em empate, até vai ao Parque dos Príncipes, em Paris, à final do Europeu, um feito para alguns quase tão heróico como o protagonizado há umas centenas de anos atrás quando desbravámos mundo. E, a leitura para a posteridade nacional e europeia, é que nós pequenos, assistidos pelos grandes, perdulários para muitos, preguiçosos para outros tantos, até somos bons nisto da bola.

O filósofo e teólogo dinamarquês Kierkegaard dizia, em pleno século XIX e quase metaforicamente, que nas nossas sociedades substituímos o piloto do barco pelo cozinheiro, que em vez de apontar para onde vamos, anuncia a ementa do almoço. Também nós em vez de respondermos à questão para onde caminhamos, repetimos o feito da bola como quem repete a ementa do almoço ou os restos que dela sobram.

Com Caetano Veloso  e a sua “Cajuína” pergunto: “Existirmos, a que será que se destina?”.

Já é tempo de assumirmos a responsabilidade de responder. Falta uma reflexão séria e profunda sobre Portugal humano, para além dos feitos “heroicos” de alguém que dá uns pontapés na bola,  bem dados mas ainda assim, pontapés na bola.

Eu até gosto de futebol e da águia que voa sozinha… ao contrário de nós.

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