Solidariedade ou trampolim?

Pelo Padre Rui Silva

Às portas das festas do Natal, somos inundados por luzes e publicidades. Nesta quadra tão “querida” não ficam para trás os gestos e sentimentos, que, pelo menos uma vez por ano (deveriam de ser muitas mais vezes), nos reúnem e nos fazem sentir diferentes. Um dos gestos mais típicos desta quadra é a solidariedade. Arrisco a qualificar dois tipos de solidariedade. A primeira é anónima e a segunda é publicitada. Mais vale a primeira do que a segunda. Enquanto a primeira dá e “bico calado”, a segunda dá… mas “canta sem parar”.

Num mundo que vive de imagens e para a imagem, a solidariedade publicitada é uma vergonha. É escandaloso fazer dela um trampolim de projeção pessoal, um meio de autopromoção, uma busca esganada de “likes” descomprometidos nas redes sociais. Publicar o que se dá, é humilhar quem recebe, pensando que se engrandece quem dá.

Dar não significa mostrar. Dar é fazer sem aparecer. Dar é fazer calar o som das trombetas, enrolar a passadeira vermelha e apagar as luzes dos holofotes. A solidariedade deve ser feita no abraço e no acolhimento daquilo que nos diz São Mateus no seu Evangelho: “quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita” (Mt 6, 3).

O silêncio é o segredo da solidariedade. E isto porque a solidariedade não tem dia nem hora, nem está refém de uma data do calendário. Não pode nem deve ser confundida com sensibilidades instantâneas e superficiais.

Evitemos a avareza que estrangula o desejo de dar e a cobiça que impede a vontade de servir. A solidariedade não deve perder tempo com preconceitos estéreis na luta contra a pobreza. A dificuldade está em (re)inventar formas de ajudar a garantir um futuro digno a quem precisa. Garantir um futuro aos carenciados do nosso tempo, vai muito além do simples gesto de ir com a mão ao bolso. É urgente criar neste teimoso cenário pandémico modos e formas de solidariedade.

A solidariedade é um convite e um desafio. Um convite a sairmos do nosso comodismo. A trocar as pantufas pelas sapatilhas, a dobrar a manta e levantar do sofá. Um desafio a irmos mais além. Promover o encontro de dar o pouco que temos a quem nada tem e utilizar o tempo que temos com quem mais precisa. É sair da zona de conforto, do individualismo que sufoca, do egoísmo requintado e refinado que impede de ver o que há a fazer e pode ser feito. Basta querer e ter vontade, e deixar de lado os juízos precipitados e os julgamentos preconceituosos. Ser solidário, é entrar num mundo diferente, num caminhar lado a lado, de mãos dadas com quem muitas vezes apenas quer um simples sorriso, uma presença, um abraço. É fazer-se próximo e não aprisionar a generosidade. Ser solidário sem protagonismos é uma arte que carece de aprendizes. É tempo de sensibilizar para a solidariedade desinteressada. Esta ajuda-nos” a concentrar o olhar no essencial e superar as barreiras da indiferença”.

Solidariedade é um cuidar invisível.

*Este artigo foi publicado também no Baluarte e n´A Crença

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