Vacinas para que vos quero ou a outra forma de fazer política

Por Carmo Rodeia

Neste momento com a tecnologia e o conhecimento de que dispomos já poderíamos ter condições para oferecer uma vida bastante decente aos 7,8 mil milhões de pessoas que habitam o planeta e não estamos a fazê-lo: há cerca de mil milhões de pessoas subnutridas a viverem na pobreza extrema no hemisfério sul. A ajuda internacional dos países ricos tem de ser priorizada. O alerta é feito numa entrevista de Martin Rees, astrotrofísico britãnico à Visão a propósito do seu último Livro “Sobre o Futuro”.

Diz o cientista inglês que na África subsariana,  onde a população ainda cresce a um ritmo muito acelerado e continua a ficar para trás,  podemos estar perante a receita para um descontentamento e perturbações generalizadas, migrações em massa. E,

Ao contrário do que acontecia há cem anos, os países pobres têm agora smartphones e I Pads, com acesso à internet, e já começam a perceber que estão a perder. Por isso, conclui: o século XXI é único e perigoso porque uma espécie- a humana-, está a portar-se mal com outra parte da sua própria espécie para não falar já da difícil pegada que estamos a deixar em termos ambientais.

Mas, o que me trás neste Entrelinhas não é exatamente o ambiente são as vacinas porque também elas nos mostram que nós até podemos estar todos no mesmo barco, mas a meio do oceano há quem consiga fazer o transbordo para um iate enquanto outros estarão condenados a morrer afogados. A metáfora pode não ser a mais feliz mas pretende sublinhar as dificuldades existentes no acesso às vacinas por parte de uma enormíssima quantidade de seres humanos, sobretudo em África.

O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmou por estes dias que a desigualdade na vacinação contra a covid-19 ameaça todas as nações, reiterando a necessidade da partilha de vacinas para travar a fase aguda da pandemia.

O médico etíope enfatizou que “a vacinação desigual é uma ameaça a todas as nações e não apenas às que contam com menos vacinas”, ao permitir que o novo coronavírus SARS-CoV-2 “continue a propagar-se, aumentando as possibilidades de uma variante emergente fazer com que uma vacina seja menos eficaz”.

Para o diretor-geral da OMS, a falta de partilha de doses de vacinas entre os países ricos e pobres, mas também de recursos e tecnologia, continua a ser uma barreira ao combate da covid-19, apesar dos “indícios encorajadores sobre a trajetória da pandemia” no mundo – menos infeções em seis semanas consecutivas e menos mortes em cinco semanas seguidas.

“Partilhar vacinas é fundamental para pôr fim à fase aguda da pandemia”, frisou, apelando aos sete países mais industrializados do mundo (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) para doarem em junho e julho vacinas ao mecanismo de distribuição universal e equitativa Covax, que permite fazer chegar doses às nações mais pobres.

O Vaticano acaba de divulgar o apelo “Salvar a Fraternidade, juntos”, lançado por um grupo de dez teólogas e teólogos, incluindo o português João Manuel Duque, professor da Universidade Católica Portuguesa, denunciando a “violência anti-humanista” do sistema “técnico-económico”.

“A suposta neutralidade do sistema técnico-económico encobre a sua violência anti-humanista e evita que seja comparado ao passado imperialista e colonialista do Ocidente”, refere o texto, que é citado pela Agência Ecclesia.

O documento sublinha os efeitos “nocivos” do sistema tecnocrático sobre o meio ambiente e sobre uma sociedade “empobrecida em todo o mundo”.

O “chamamento à fé e ao pensamento” parte da encíclica ‘Fratelli Tutti’, sobre a fraternidade humana, publicada em outubro de 2020 pelo Papa Francisco.

“A nossa proposta é recolher o sentido profundo desta provocação definitiva – dirigida a uma Igreja instada a abrir-se e a um mundo tentado a fechar-se  – inaugurando o clima de uma ‘fraternidade intelectual’”, realça a nota de imprensa que acompanha o apelo.

Francisco  também já pediu a todos os responsáveis pelos Estados, organismos internacionais e empresas que “proponham a cooperação e não a competição, e busquem uma solução para todos”. “Vacinas para todos. Principalmente para os mais vulneráveis e necessitados do planeta”, pediu.

“Diante de um desafio que não conhece fronteiras, nenhuma barreira pode ser erguida. Estamos todos no mesmo barco”, completou. Compreendo o sentido da afirmação mas na realidade o barco não só não é o mesmo como a potência varia bastante. E, fora dos holofotes das televisões ocidentais, vai-se morrendo em África.

Será que ainda temos capacidade de nos deixarmos provocar? Só provocados conseguimos provocar os outros e os outros são os políticos, que infelizmente são os que decidem… tantas vezes mal.

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