Variações sobre a (in)tolerância

Pelo Padre José Júlio Rocha

«A intolerância não é senão a angústia de não ter razão.»

«A tolerância é a virtude do fraco.»

Acima estão duas frases que se contradizem mutuamente. Escolha aquela que se adequa mais ao seu pensamento e aos seus ideais.

Qualquer uma delas reflete um quadro ideológico que se vem extremando nos últimos tempos. Refletem estados de ânimo sociais que se vão tornando visíveis em lugares como o Brasil, a Venezuela, os Estados Unidos, muitos países da Europa, o mundo quase todo. Com a emergência covid-19 estão mais visíveis, em parte porque se está politizando a pandemia.

Se você escolheu a primeira, provavelmente acha que o diálogo, o respeito pela diferença, a variedade de opiniões e a convivência de religiões e ideologias compõem uma sociedade ideal.

Se você escolheu a segunda, provavelmente acha que o seu país precisa de líderes fortes, de segurança, de justiça que severa contra os que destroem a ordem social, de manter os valores que identificam um povo, contra a degenerescência dos povos.

Há quem ache a que a tolerância é uma das grandes conquistas do século XX, marcado por duas guerras brutais e por uma guerra fria repugnante: se os homens não se entenderem, se não encontrarem no diálogo e no consenso uma forma de vida, autodestroem-se. Acha que a primeira frase é de quem entendeu de uma vez por todas que a verdade não é de ninguém, é uma busca que se deve procurar no encontro com o outro. Acha que a segunda frase é dos nacionalistas e arrogantes, que veem na violência um método mais que natural para purgar a sociedade.

Há quem ache que a tolerância é mesmo uma fraqueza, sobretudo na política, onde a opinião do outro é um alvo a abater, porque a verdade é só uma e não admite fragmentações nem desvios. Acha que a primeira frase leva a um governo e um povo tíbios e sem identidade. Acha que a segunda frase é para heróis. Acha que a primeira frase é de quem fuma umas ganzas e pratica o amor livre. Acha que a segunda é de quem quer construir família segundo os valores da tradição daquilo que os pais ensinaram.

A primeira frase é de Andrei Sakharov, russo, pai de família, inspirador do Prémio Sakharov e Prémio Nobel da Paz em 1975.

A segunda frase é do Marquês de Sade. Toda a gente sabe quem é.

*Este artigo foi publicado no Diário Insular, na rubrica Rua do Palácio.

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