Vaticano II

Não estou em Roma para noticiar a inauguração dos chuveiros e da barbearia para os sem abrigo na Praça de S. Pedro junto à colunata de Bernini.

Mas anoto, entre as muitas notícias sobre os cardeais. Foi uma decisão do Papa Francisco, para muitos tão importante como criar um novo departamento na Cúria Romana. Foi e é resultado do seu olhar predileto para os que estão na periferia do mundo e da vida. E vemos aqui muita gente sem abrigo, olhada por comunidades religiosas e apoiada em noites de frio como o que tem passado em Roma. É mais uma entre muitas parábolas de que temos sido testemunhas. Mas hoje  isso nota-se pouco no cortejo solene dos cardeais, os novos e os velhos. O escarlate parece igual, uma certa pompa externa pode sugerir que nada mudou. Mas não é verdade. Desde o anúncio da criação de novos cardeais que o Papa lembrou com vigor que não nomeava cardeais para decoração de cortejos ou para empolgar cerimoniais profanos. Desde o primeiro momento que acentua o carácter de serviço que esta missão na Igreja implica. Mas hoje nas palavras  que dirigiu expressamente aos cardeais lançou um aviso inequívoco na sequência dos recados fraternos que já havia enviado. O Papa Francisco está verdadeiramente empenhado na transformação da Cúria Romana do ponto  de vista funcional, mas imprimindo um novo espírito expresso na simplificação, eficácia, transparência e serviço eclesial. Por isso quer os seus ministérios – dicastérios – sejam muito mais que uma repartição pública que despacha serviços, como uma casa da caridade que com esse olhar, atenção e serviço acolhe e responde à Igreja e ao mundo. Com atenção particular às periferias. Ele sabe, e diz, que tudo isso demora tempo. Respeita o serviço abnegado de tantos que serviram a Igreja nesse local e nessa função, mas continua a apelar para uma transformação radical na forma de enfrentar a missão. A afirmação na colegialidade, maior responsabilidade dos leigos – com destaque para as mulheres- maior poder decisório à Igreja local, transparência e eficácia nas contas, tudo isso com benevolência e firmeza propõe o Papa Francisco. Nos dois primeiros dias de consistório, ouviu longamente as intervenções de representantes de todo o mundo. Mas na homilia do Consistório Público   na criação  dos novos cardeais a partir do tema de S. Paulo na carta aos Coríntios, oferece uma reflexão profunda e forte aos cardeais. “A dignidade cardinalícia  é certamente uma dignidade mas não é honorífica…Não se trata de algo de acessório, decorativo… mas de um eixo, um ponto de apoio e movimento essencial para a vida da comunidade…O amor de Cristo permite-nos ser assim, capazes de perdoar sempre dar sempre confiança,..por estarmos cheios da esperança de Deus…”

Mas a justiça não é esquecida neste todo:

“Quem é chamado ao serviço da governação  deve ter um sentido tão forte da justiça que veja toda e qualquer injustiça  como inaceitável, incluindo aquela que possa ser vantajosa para si mesmo ou para a Igreja.”

A universalidade da Igreja está mais representada, os países habitualmente esquecidos, por menos notórios, estão mais responsabilizados, a missão de Pedro está mais repartida. Tudo isso corresponde a um pequeno gesto do novo Papa acerca de dois anos na varanda central da basílica de S. Pedro no dia em que foi eleito: inclinar-se para ser abençoado. Estou a olhar aquela varanda e a lembrar aquele grande sermão em gestos que proferiu para o mundo surpreso naquele fim de tarde. Nunca mais o esqueci. Penso que o mundo  o retém como tantos outros que ele foi repetindo e vai repetindo e que marcam a Igreja e o mundo de hoje. Não sei  se é revolução mas é um apelo a uma grande transformação. Lembra mesmo, no século XXI,  o Concílio Vaticano II.

Pe António Rego

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