Vida pobre

Por Carmo Rodeia

O papa Francisco já disse por várias vezes que não gosta de cristãos  com cara de sexta feira santa, ou de vinagre. Gostei da analogia e algumas vezes o citei, numa ou noutra ocasião,  para dizer que os cristãos devem andar sempre de sorriso nos lábios. Não um sorriso fácil e plástico mas o sorriso de quem tem uma vida em abundância e procura todos os dias levar essa abundância aos outros.

Acabámos de sair da Semana Santa e eis-nos chegados à Páscoa, ao encontro com o ressuscitado e por isso à alegria e à vida, à vida nova que nos é proposta nos Evangelhos, por maior que seja a tormenta e a desesperança.

Regresso a Francisco para lembrar as palavras dele na Vigília Pascal de 2015: saibamos abrir os sepulcros dos nossos corações, mesmo debaixo das tribulações deste mundo, das incertezas, das incompreensões, das dificuldades, cientes de que não estamos sozinhos.

Mas a ideia de naufrágio não nos deixa. É como se a ilha e o seu mar revolto nos agitassem constantemente, empurrando-nos para um lugar nenhum,  como se a deriva fosse o único destino certo.

Chegámos à Páscoa, quem diria! E continuamos em guerra com o tempo e com a vida.

Regresso a Tolentino  Mendonça, um porto de abrigo nas horas de tempestade solitária. Como se as palavras fossem gente e gente que nos compreende.

«A confiança é um caminho. E, na maior parte das vezes, um caminho que não é isento de interrogações, incertezas e angústias. É verdade que brotam do nosso coração, muito naturalmente, os versos do Salmo 23: «De nenhum mal terei medo porque Tu estás comigo. A tua vara e o teu cajado dão-me confiança» (v. 4). Mas a travessia de algumas estações da nossa vida fazem um explícito apelo ao mistério da cruz do Senhor.

O verso de Dante, num dos pórticos da sua Divina Comédia, “A meio do caminho da vida, me vi perdido numa selva escura” mostra como há diferentes idades e tempos na nossa vida e como alguns momentos nos trazem a experiência da complexidade e do desânimo.

Olhamos para o lado e a vida é uma enorme floresta escura, densa e difícil de transpor.

A Páscoa pode ter chegado, mas há quem continue à espera dela e do seu efeito transformador. Quem sabe se o encontro com o mal é necessário para tomarmos consciência de nós e sermos capazes de dar passos noutro sentido.

Anseio pela Páscoa, como quem anseia pela vida.

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