Os jovens

Por Carmo Rodeia

“Hoje, os jovens precisam dos sonhos dos idosos para terem esperança, para terem um amanhã”.

Começo este meu Entrelinhas com a citação de uma das muitas reflexões que o Papa apresenta no novo projecto editorial – La Saggezza del Tempo”- lançado ontem em Roma, e que reúne 250 entrevistas e muitas reflexões de Francisco  sobre as questões da vida. É uma afirmação importante porque hoje mais do que pensarmos que os jovens andam distraídos convém focarmo-nos nos mais velhos e avaliarmos o que estamos a legar a esta juventude.

Por estes dias, os jovens têm sido o centro das atenções no decurso do Sínodo, que termina no próximo dia 28 outubro. Ao nível da igreja (e do mundo) fala-se da relação entre os jovens, a igreja e a fé, cientes de que é preciso um maior envolvimento e um maior compromisso dos jovens na vida da Igreja.

O cardeal Luis Antonio Tagle, arcebispo de Manila (Filipinas), disse que o sínodo tem sido como uma “escola”, onde os jovens também ensinam. As atenções viram-se agora para o texto final e para a carta aos jovens, que já está a ser redigida para o encerramento, cientes de que só teremos orientações concretas no próximo ano com a publicação da encíclica pós sinodal, à semelhança do que aconteceu no Sínodo sobre a Família.

Se recuarmos às razões da marcação deste sínodo percebemos, a partir do Instrumentum Laboris que a Igreja está efetivamente preocupada com o envelhecimento do rebanho e com a desmobilização dos jovens, que participam pouco e comprometem-se ainda menos com a vida da Igreja. Sobretudo se atendermos ao facto de um bilião e 800 mil pessoas com idades entre 16 e 29 anos serem jovens, isto é, um quarto da humanidade. Desses, poucos ou muitos poucos, integram a Igreja de uma forma plena. Os jovens interessam-se pouco pelas questões religiosas, tal como se interessam pouco pela política e pela participação em estruturas organizadas.

É frequente ouvirmos que  vão longe os tempos em que os jovens se mobilizavam, saíam à rua e faziam manifestações para defender os seus interesses. Um pouco por todo o lado, e cada vez mais, se sente a distância entre os jovens e a participação cívica, seja ela de carácter nacional, institucional ou associativo.

Por isso, o que sentimos na igreja, sentimos um pouco em toda a organização social. E, embora na igreja, que eu conheça, não existam estudos estatísticos muito aprofundados a um nível macro sobre os níveis de participação, satisfação ou até interesse pelos fenómenos religiosos (existem ao nível de cada uma das realidades eclesiais mas não ao nível da igreja universal), os dados sobre a participação política dos mais novos fazem-nos perceber que as razões de tais desempenhos tão baixos enformam nas mesmas causas: estruturas muito hierarquizadas, com regras muito definidas e pouca flexibilidade.

Um estudo da Presidência da República sobre a participação política dos jovens mostra que não se interessam pela política nem pelos partidos, não se revêem na atividade política tal como ela é praticada e sentem-se pouco ou nada satisfeitos com a maneira como funciona a democracia. E esta insatisfação generalizada tem vindo a piorar.

Em 2007 e somando os dois grupos etários (15/24 e 25/34), 13,6% participavam em partidos, 12,1% em sindicatos e 19,8% em associações. Em 2015, o retrato é, respetivamente, 3,7%, 3,6% e 6%.  É assustador! Os dados, que são retirados do estudo dão conta de que é na participação política que a diferença é grande: manifestações ou comícios não é com os jovens, mas assinar petições, boicotar ou comprar produtos por razões políticas ou contribuir para uma causa, sim. Isto é, os jovens hoje, como ontem, mobilizam-se por causas e não por instituições ou organizações.

Não conseguimos antecipar conclusões do Sínodo mas, também, podemos perceber que os jovens de hoje não são diferentes dos de há umas décadas.

Há 30 anos, quando entrei na casa dos 20, as minhas preocupações não eram muito diferentes das dos meus filhos , que hoje estão nessa idade. Nem o meu sentido de compromisso era maior que o dos meus filhos. Acredito que os padrões de consumo eram diferentes, tal como o respeito à autoridade e o desejo de estabilidade. Mas também sei que hoje ser jovem se calhar até é mais difícil do que era no meu tempo.

Os pais são menos comprometidos e disponíveis, mais tolerantes, há maior liberdade sexual, de expressão e escolha profissional (embora precária), mas a dualidade do atual pensamento social coloca, lado a lado, toda a facilidade disponível e a exigência cada vez maior no que diz respeito à competência profissional, à estética, ao sucesso, constituindo e sendo responsável por novos sintomas que se manifestam nas relações familiares, na escola e consequentemente na vida, que se passa num mundo mais digital, de entregas rápidas, de soluções imediatas, de falta de espaço para a espera e para o amadurecimento. E isso traduz-se numa coisa, essa sim diferente da do meu tempo: quando colocamos à disposição dos jovens todas as facilidades evitamos que eles partam para a luta e que sejam capazes de encarar as frustrações que toda a conquista requer.

Uma vez mais a igreja tem aqui uma oportunidade profética de fazer diferente da política e de outras realidades sociais ajudando os jovens a serem jovens. Acompanhando-os, escutando-os, integrando-os, dando-lhes protagonismo e responsabilidade, discernindo com eles, com valores do Evangelho. Já não será pouco para garantir que eles sejam o presente, mais do que o futuro.

 

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