Pelo padre Davide Barcelos

Na minha última aula de Patrologia, o professor Isidro Lamelas apresentou-nos Clemente de Alexandria. Entre as imagens usadas por este Padre da Igreja, uma destacou-se: a das abelhas. Clemente escreveu, no século II: “A verdade é como um enxame de abelhas: recolhe-se de diferentes flores, e com elas produz um só mel.” (Stromata, I, 1)
Esta imagem lembrou-me um dos temas de reflexão no recente do Conselho Presbiteral sobre a pastoral em conjunto, ou seja, o ministério partilhado entre sacerdotes. À semelhança das abelhas — cada uma com a sua tarefa, todas a contribuir para um bem comum — também os padres são chamados a servir em unidade e colaboração.
Vivemos tempos em que o trabalho pastoral em conjunto exige, cada vez mais, espírito de colaboração, partilha de responsabilidades e comunhão de carismas. Neste contexto, a Igreja propõe o exercício da missão em unidades pastorais, ou seja, de forma conjunta entre vários sacerdotes que, como um só corpo, cuidam do mesmo rebanho. Esta proposta ganha ainda mais sentido quando a relacionamos com a imagem das abelhas, tão rica na tradição cristã.
Importa reconhecer que este tipo de ministério não é uma invenção moderna. Hoje temos perdido o hábito de voltar aos inícios da Igreja como fonte de inspiração. Esquecemo-nos de que a Tradição não é um peso do passado, mas uma memória viva que pode renovar o presente.
Esta proposta não é, portanto, apenas uma reorganização. É uma resposta evangélica concreta a vários desafios urgentes da nossa Igreja nos Açores.
A pastoral familiar em conjunto exige acompanhamento mais próximo, formação e escuta. A pastoral juvenil pede criatividade, presença e abertura. A pastoral vocacional, integrada nas unidades pastorais, requer ambientes de fé autêntica, onde os jovens possam escutar o chamamento de Deus. Tudo isto exige equipas, tempo, discernimento e comunhão.
E aqui é fundamental recordar: a pastoral em conjunto não se limita à colaboração entre padres. Ela deve incluir os leigos como corresponsáveis na missão da Igreja. Todos são chamados a participar, discernir e agir. Sem esta comunhão efetiva e afetiva entre clero e leigos, as unidades pastorais correm o risco de se tornarem estruturas administrativas, em vez de comunidades missionárias e vivas.
Um padre sozinho, com várias paróquias, dificilmente conseguirá responder de forma plena. É neste contexto que a pastoral em conjunto se apresenta como chave de futuro: padres que rezam juntos, discernem em conjunto, distribuem tarefas com equilíbrio e partilham alegrias e tristezas com os leigos, e não apenas para os leigos.
É verdade que este modelo enfrenta obstáculos concretos na nossa diocese. Desde logo, a geografia insular torna mais complexa a articulação entre paróquias. Muitas comunidades ainda veem o pároco como “o dono da paróquia” e sentem desconfiança em relação a mudanças. Entre os próprios padres pode haver resistência natural: falta de hábito de trabalho em equipa, medo da perda de autonomia ou cansaço acumulado.
Há também o risco de uma implementação apressada, que não respeite os ritmos das comunidades nem promova a verdadeira formação. A pastoral em conjunto, concretizada em unidades pastorais, não pode ser apenas uma resposta à escassez de padres; tem de ser uma opção espiritual e eclesial fundamentada na comunhão e na missão.
As abelhas ensinam-nos o valor da colaboração. O mel não é fruto do esforço de uma só, mas da ação comum. Assim é a Igreja: diversidade de dons ao serviço de um único corpo.
É importante reter que a abelha que não repousa enquanto não produz o seu mel. Este “mel espiritual” é fruto da oração, da Palavra, da escuta mútua e da entrega ao povo. Todos padres, leigos, famílias, jovens são chamados a contribuir.
A pastoral em conjunto exige uma mudança de mentalidade. Supõe deixar para trás o individualismo pastoral, abrir-se ao diálogo, confiar no outro, planear com outros. Onde isto já acontece, mesmo que timidamente, nota-se mais alegria, mais equilíbrio, mais missão e corresponsabilidade.
O Papa Francisco desafiou-nos a ser uma Igreja sinodal, em saída. Nos Açores, talvez esta saída passe por algo tão simples e tão profundo como deixar de servir sozinhos — e começar a servir como as abelhas: em comunhão.