Presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz reconhece nesta marca identitária dos Açores o espaço da verdadeira sinodalidade onde a liberdade, a escuta e a comunidade são valores absolutos

A forma como os açorianos celebram e vivem o Espírito Santo, que este domingo e no próximo têm os seus dias maiores, antecipa um espaço de liberdade neste culto que o transforma num “instrumento essencial” para combater o individualismo e a polarização que marcam a sociedade atual, afirma Francisco Maduro Dias, investigador e presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz.
“É uma forma de viver e conviver com os outros de uma maneira comunitária: não sou igual ao outro por força de … sou chamado a viver com o outro e a olhar o outro como irmão, igual a mim, ombro no ombro, com ele” afirma o responsável que este ano foi, pela primeira vez mordomo das Festas do Divino Espírito Santo da santa Casa da Misericórdia de Angra.
“É muito bonito pensar nisso neste domingo, pois o século XXI é marcado pelo individualismo e o direito de cada um olhar para o espelho e ver-se a si próprio e o que eu vejo em torno do Espirito Santo, mais do que um chamamento é uma obrigação de trabalhar junto, a ser junto, a construir junto” diz Maduro Dias, numa entrevista que vai para o ar este domingo depois do meio dia no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores, no programa de rádio Igreja Açores.
“A festa do Espirito Santo é uma festa da comunidade, uma festa de iguais e isso desafia as estruturas sociais, desafia tudo, pois o eu do tamanho do planeta terra, pelo menos nesta bolha que é o ocidente, que quase me inibe de estender a mão ao irmão com medo de que possa invadir a sua esfera privada, é ultrapassado pelo nós. Não há outra pessoa que não o nós”, refere.
“A festa do Espírito Santo é uma festa em que a igualdade é obrigatória sem perda da identidade de cada um” afirma sublinhando que a Igreja, isto é, as comunidades cristãs, têm este instrumento “poderoso” nas suas mãos.
“O Espírito Santo pode ser um instrumento importante para combater os extremismos nomeadamente no que diz respeito a valores como o respeito pela dignidade humana independentemente das circunstâncias de cada um”, explicita.
“Vejo no Espírito Santo uma enorme capacidade da nossa população, sobretudo nos Açores, poder imaginar Deus na sua matéria mais imaterial” prossegue afirmando que “numa população que continua a não ser muito sabedora das coisas da religião, torna-se impressionante a forma como consegue ver Deus na sua completa definição de amor e ter tudo em todos”, avança ainda.
“É uma marca da nossa forma de estar no mundo: marca cristã, religiosa, social e política no sentido de saber viver em sociedade” afirma, por outro lado, nesta entrevista que vai para o ar depois do meio-dia.
“Nós precisamos do Espírito Santo para nos percebermos e nos afirmarmos como gente que somos; esse reconhecimento remete para o grupo e para a partilha”.
“Quando os sinais atuais nos pedem para cada um ficar no seu buraco, no seu eu, há uma festa do Espírito Santo que nos convida, quase nos obriga , a vir para a rua e a ser comunidade”, enfatiza.
Questionado sobre a relação tensa ao longo da história entre as Irmandades e a hierarquia católica e mais recentemente a tentativa do poder político de se apropriar deste culto, Maduro Dias diz que ambas podem ser uma “tentação”.
“É tão difícil a quem só vai à Igreja no dias das coroações como é difícil a quem está dentro da hierarquia: compreender o que é este culto, esta lufada de ar fresco que todos os anos entra por portas dentro na forma das coroações e o que ele representa sobretudo numa sociedade onde o eu é o que vale”.
Por outro lado, a apropriação do Espírito Santo pelos políticos é algo que não perturba porque o Espirito Santo “como espaço de liberdade absoluta que é, nunca se deixará domar”.
Durante a entrevista o historiador, responsável pela montagem da narrativa ao Culto ao Divino Espírito santo na Rede de Museus dos Açores, lembrou que seis meses depois do sismo de Angra, a 1 de janeiro de 1980, a população se juntou para “construir” um império em Angra reunindo as novas vizinhanças desalojadas mas desejosas de louvar a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, tendo-se verificado um império no coração de Angra em maio desse ano, ainda quando o processo de reconstrução da cidade não estava em marcha.
“So o Senhor Espírito Santo, como aprendi a dizer, poderia fazer tal coisa”. Aliás foi a 21 de março de 1980, dois meses e meio depois deste sismo, que arrasou a cidade de Angra em dia de ano novo, que a região aprovou na Assembleia legislativa dos Açores a criação do Dia dos Açores na segunda-feira de Pentecostes.
A entrevista de Francisco maduro Dias vai para o ar este domingo depois do meio dia, no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores.