“A Crença quer ser o jornal católico da ilha. Falta saber se a ilha quer que seja o seu jornal”

O jornal de Vila Franca do Campo inicia amanhã a comemoração do seu centenário.

Em entrevista ao Sítio Igreja Açores, o Diretor, Pe António Cassiano explica as razões da longevidade- “aliança entre a componente católica e local”-, comenta a fragilidade da imprensa de inspiração cristã- “que deveria ter mais profissionais ao seu serviço”-, a exiguidade de meios e os desafios futuros- o inicio do formato digital- e a transformação em jornal de ilha. Deixa ainda um esclarecimento aos seus “criticos”

 

Sítio Igreja Açores- A Crença inicia um período festivo em que assinala o seu primeiro centenário. O que é que se vai passar no próximo ano?

Pe António Cassiano- Cem anos de vida, para uma pessoa como para um jornal, são motivo mais que suficiente para grande festa, mas o ano do centenário servirá para fazer três coisas: a história do percurso de “A Crença”, de 1915 até hoje; uma reflexão crítica sobre o modelo e qualidade do jornal na atualidade; e, a partir daí, perspetivar “A Crença”, a curto e médio prazos, de maneira a que, no fecho das comemorações, se inicie uma nova etapa da sua existência.

 

 

Sítio Igreja Açores- A Crença é um dos dois títulos católicos sobreviventes na Diocese. Como é que está a Crença quase 100 anos depois?

Pe António Cassiano- Para “sobrevivente” não vai mal. As dificuldades são muitas e de vária ordem. É a vontade dos seus fiéis leitores e a generosidade dos seus colaboradores que o mantém vivo. Espero que o ano do centenário lhe dê um novo fôlego.

 

 

Sítio Igreja Açores- Ao longo da história o jornal tem alterado o seu formato. Era uma inevitabilidade do tempo ou foi uma forma de garantir a sobrevivência do Jornal?

Pe António Cassiano– Um século é muito tempo. Mais ainda o último, com tantas e tão rápidas transformações. Eram inevitáveis as mudanças, e não só de formato. Um jornal não se preserva respeitando-se a “traça” original, como é obrigatório acontecer com os imóveis classificados, mas acompanhando a evolução dos tempos.

 

 

Sítio Igreja Açores- Trata-se de um título propriedade da Igreja Matriz de Vila Franca do Campo. Como é que definiria este projeto?

Pe António Cassiano- Julgo que “A Crença” sempre foi mais que um boletim paroquial. Antigamente, era distribuído pelas paróquias da ilha, em rolinhos, à maneira da “Voz de Fátima”. Sendo, por natureza e vocação, um órgão da chamada imprensa de inspiração cristã, nem por isso deixou de se identificar bastante com a cultura, as tradições, os problemas, o desenvolvimento de Vila Franca do Campo. Independentemente da orientação editorial, naturalmente diversa ao longo do tempo, terá conseguido, com relativo êxito, aliar as componentes católica e local.

 

 

 

Sítio Igreja Açores- Como é ser diretor de um jornal com tão poucos recursos humanos?

Pe António Cassiano- Sim, é verdade, sou diretor sem que tenha alguém para dirigir… Em compensação, conto, todas as semanas, com a preciosa colaboração do meu amigo Arsénio Puim. Trocamos impressões. Às vezes, sigo as suas sábias opiniões. Outras, não.

 

 

 

Sítio Igreja Açores- Uma das criticas mais frequentes que se ouve é justamente que este projeto editorial é um projeto muito pessoal, do Padre Cassiano. Concorda com esta visão?

Pe António Cassiano- Concordo, até certo ponto. E como poderia ser de outra maneira? A verdade é que não há propriamente um projeto. O que há é o acordo tácito dos meus colegas “in solidum” com a linha editorial decidida por mim. Tenho tido sempre o seu apoio ou, pelo menos, a sua não discordância. Sei que há quem pense que, por ser um jornal católico, “A Crença” devia ser uma espécie de órgão oficioso da Igreja. Não é esse o meu entendimento. Os senhores bispos, nomeadamente o da nossa diocese, não têm razões de queixa, tantas são as vezes que o jornal divulga as suas notas pastorais e tomadas de posição, bem como as do Papa e da Santa Sé. Só que a liberdade de expressão, na Igreja, não é um exclusivo da hierarquia. Outras vozes, mesmo as divergentes, têm o direito de se fazerem ouvir. Sei também que é sobretudo a coluna da primeira página, assinada por mim, a suscitar alguma polémica. Não tenho receio de ser contraditado: a página de opinião, a quinta do jornal, está sempre ao dispor… E aproveito para precisar que a nota que escrevo todas as semanas não é um editorial, no sentido rigoroso do termo. São artigos de opinião. Obviamente, com a minha opinião. Se fosse outro o diretor, outra seria a opinião.

 

 

 

Sítio Igreja Açores- Como é o dia a dia da crença: como faz a agenda e quem a decide?

Pe António Cassiano- O jornal “A Crença” não tem “dia a dia”. Fazemo-lo num dia apenas, com a preparação necessária e possível na véspera, sujeitos como estamos às notícias e artigos que chegam à última hora. Por norma, damos prioridade à informação e opinião originadas localmente. Quanto aos restantes conteúdos, socorremo-nos da Agência Ecclesia e do Portal Igreja-Açores, que vem realizando um excelente trabalho. Da “agenda”, decido eu. Não há alternativa.

 

 

 

Sítio Igreja Açores- Há quem defenda que a Crença deveria alargar os seus conteúdos e “sair” de Vila Franca tornando-se um jornal de ilha. Concorda com esta linha de pensamento ou prefere que a Crença continue a ser o que è?

Pe António Cassiano- Preferia que “A Crença” fosse um jornal de ilha, mas até lá muita coisa teria de acontecer. Aqui, em Vila Franca, estamos abertos a esse projeto. “A Crença” quer ser o jornal católico da ilha. Falta saber se a ilha quer que “A Crença” seja o seu jornal…

 

 

 

Sítio Igreja Açores- Como é que entende o papel de um jornal ligado à igreja e, por conseguinte, com um pendor cristão acentuado?

Pe António Cassiano- Entendo-o como um excelente meio de comunicação ao serviço da evangelização, logo que o faça de forma bem incarnada nas comunidades cristãs e na realidade social envolvente.

 

 

 

Sítio Igreja Açores- A igreja sempre teve tendência a possuir órgãos de comunicação social próprios como forma , também , de evangelizar. Mas um jornal não é um espaço de homilia nem de catequese. Como se pode articular um projeto jornalístico a sério , profissional, com esta matriz cristã, católica?

Pe António Cassiano– Só por falta de recursos económicos se justifica tanto amadorismo no jornalismo católico, como é o caso de “A Crença”. Penso que a imprensa de inspiração cristã só teria a ganhar se tivesse mais profissionais ao seu serviço. As receitas da Igreja não deviam ser afetadas apenas à remuneração dos padres e às obras de conservação e restauro dos imóveis.

 

 

 

Sítio Igreja Açores- A Crença, como já se disse, neste entrevista, a par do Dever, no Pico, são os únicos títulos que sobram na Diocese de Angra. Como é que isso se justifica?

Pe António Cassiano- Sobretudo pela sua implantação no local de nascimento. “O Dever” é das Lajes do Pico, “A Crença” é de Vila Franca. Uma recente proposta de os incluir num hipotético semanário diocesano não pôde ser levada a sério. Só em situação limite, de todo incomportável, é que uma comunidade aceita perder um património com que tanto se identifica.

 

 

 

Sítio Igreja Açores- Que projectos tem o jornal para o tempo mais imediato?

Pe António Cassiano- Vamos, ao longo do ano do centenário, proporcionar oportunidades de debate sobre o presente e o futuro de “A Crença”. Espero que, daí, surja um bom projeto de renovação do jornal.

 

 

 

Sítio Igreja Açores- Hoje, chegar mais longe significa estar na internet. Estão a ponderar alguma edição digital?

Pe António Cassiano- Esse é um ponto que está praticamente decidido. O mais tardar daqui a um ano, “A Crença” terá uma edição digital.

 

 

 

Sítio Igreja Açores- Como é que vai ser o seu editorial amanhã, quando se iniciarem as celebrações do centenário?

Pe António Cassiano– Além de diretor do jornal, sou também gestor da Tipografia. Vou, por isso, abordar a questão da sua viabilidade económica, sem a qual tudo o mais se torna irrealizável. Farei um apelo a que haja a congregação de boas vontades, tanto da Igreja como das instituições civis, para a preservação de um património cultural que já não é apenas de uma paróquia mas de toda a população de Vila Franca do Campo.

Scroll to Top