A crise dos relacionamentos humanos é a “mais grave de todas” e a maior catástrofe a da educação, afirma o Papa

O Papa recebeu hoje o Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, falou aos embaixadores do “rasto de medo” gerado pela pandemia, da “distribuição equitativa das vacinas” e das crises da humanidade, considerando a dos relacionamentos humanos a “mais grave”.

A audiência aos representantes de mais de 180 Estados que atualmente têm relações diplomáticas com a Santa Sé, que chegou a estar previsto para o dia 25 de janeiro e teve de ser adiado por causa da dor ciática do Papa nesses dias, decorreu na Sala das Bênçãos, “para respeitar a exigência de maior distanciamento pessoal”, como Francisco lembrou, mas quis ser “sinal de proximidade” e “mútuo apoio a que deve aspirar a família das nações”.

O Papa passou em revista as consequências da pandemia, os dramas humanitários, os conflitos no mundo, as crises nos setores da sociedade, detendo-se na crise dos “relacionamentos humanos”, talvez “a mais grave de todas”.

“A crise dos relacionamentos humanos, expressão duma crise antropológica geral, que tem a ver com a própria conceção da pessoa humana e a sua transcendente dignidade”, afirmou o Papa.

Francisco disse que os “longos meses de isolamento e muitas vezes de solidão” tornaram mais necessários os relacionamentos humanos, nomeadamente entre os estudantes, e afirmou que o ensino à distância “implicou também uma maior dependência das crianças e adolescentes da internet e, em geral, das formas virtuais de comunicação, tornando-os mais vulneráveis e expostos a atividades criminosas em rede”.

Assistimos a uma espécie de ‘catástrofe educativa’… Repito: assiste-se a uma espécie de ‘catástrofe educativa’ face à qual não se pode permanecer inerte; exige-o o bem das futuras gerações e da sociedade inteira”, afirmou o Papa.

“O nosso futuro não pode ser a divisão, o empobrecimento das faculdades de pensamento e imaginação, de escuta, diálogo e compreensão mútua”, afirmou.

Para o Papa, a pandemia “colocou as pessoas numa espiral de separação e suspeita mútua, e impeliu os Estados a erguerem barreiras” e o mundo interligado “deu lugar a um mundo novamente fragmentado e dividido” com repercussões “verdadeiramente globais”, que o Vaticano está a dar resposta ao “dar vida à Comissão Vaticana Covid-19”.

O Papa reafirmou a necessidade de todos os “contribuírem ativamente para as iniciativas internacionais tendentes a assegurar uma distribuição equitativa das vacinas, não segundo critérios puramente económicos, mas tendo em conta as necessidades de todos, especialmente das populações mais carenciadas”.

“A real possibilidade de acesso às vacinas deve ser sempre acompanhada por comportamentos pessoais responsáveis, visando impedir a difusão da doença, mediante as medidas necessárias de prevenção a que já nos habituamos nestes meses. Seria fatal confiar apenas na vacina, como se fosse uma panaceia que dispensa o indivíduo do esforço constante em prol da saúde própria e dos outros”, afirmou o Papa.

Francisco lembrou que a crise pandémica mostra “a fisionomia dum mundo doente não só por causa do vírus, mas também no meio ambiente, nos processos económicos e políticos, e mais ainda nos relacionamentos humanos”.

No discurso ao Corpo Diplomático, o Papa valorizou os acordos internacionais da Santa “que permitem aprofundar os vínculos de mútua confiança e consentem à Igreja de cooperar mais eficazmente para o bem-estar espiritual e social” dos vários países, referindo-se ao Acordo Provisório sobre a nomeação dos Bispos na China, assinado em Pequim no ano de 2018 e prolongado por mais dois anos, desejando que “o caminho percorrido continue, em espírito de respeito e mútua confiança, contribuindo ainda mais para a solução das questões de interesse comum”.

Dirigindo-se a representantes de Estados de todo o mundo, o Papa afirmou que a pandemia lembra a necessidade de garantir o “direito ao cuidado” e lamentou que “um número crescente de legislações no mundo está a afastar-se do dever imprescindível de defender a vida humana em cada uma das suas fases”.

Francisco referiu-se à “crise ambiental”, para afirmar que “não é apenas o ser humano que está doente”, mas também a casa comum por causa de uma “crise ecológica causada por uma exploração indiscriminada dos recursos naturais” e que adrquire “uma dimensão muito mais complexa e permanente”, e lembrou a “crise económica” que resulta de “outra doença” que marca a atualidade, uma “economia baseada na exploração e no descarte quer das pessoas quer dos recursos naturais”.

“A crise atual é a ocasião propícia para repensar a relação entre a pessoa e a economia”, considera o Papa.

A crise humanitária no Sudão, Moçambique (cabo Delgado), Iémen e a Síria foram contextos geográficos lembrados pelo Papa para alertar para o facto da pandemia ter acentuado “várias emergências humanitárias”, apelar ao perdão da dívida que “pesa sobre países mais pobres” e afirmar a necessidade de proteger as populações.

“Embora compreendendo a lógica das sanções, a Santa Sé não vê a sua eficácia e espera uma atenuação das mesmas, até para favorecer o fluxo de ajudas humanitárias, a começar pelos medicamentos e instrumentos sanitários, extremamente necessários neste tempo de pandemia”, afirmou.

Francisco lembrou os refugiados para dizer que “desde a Segunda Guerra Mundial que o mundo não tinha assistido a um aumento tão dramático do número de refugiados” e afirmar a a urgência de encontrar mecanismos de proteção dessas populações.

O Papa lembrou ainda as “crises da política” e a necessidade de “manter vivas as realidades democráticas”, referindo “em particular” o povo da Birmânia” e apelando à reforma de organizações internacionais e da próxima Igreja católica.

“Não é preciso ter medo das reformas, ainda que requeiram sacrifícios e, não raramente, uma mudança de mentalidade. Todo o corpo vivo precisa continuamente de se renovar, colocando-se nesta perspetiva também as reformas em curso na Santa Sé e na Cúria Romana”, afirmou.

O Papa apelou ao “esforço no campo do desarmamento e da não proliferação de armas nucleares”  e desejou que “2021 fosse o ano em que se inscrevesse a palavra fim no conflito sírio, iniciado já há dez anos”, de paz na Terra Santa e na Líbia, da estabilidade do Líbano e manifestou preocupação pelas “tensões políticas e sociais na República Centro-Africana”, na América Latina, na Península da Coreia e no sul do Cáucaso e manifestou preocupação pelo “flagelo” do terrorismo.

“O ano de 2021 é um tempo a não perder; e não se perderá na medida em que soubermos colaborar com generosidade e empenho. Neste sentido, considero que a fraternidade seja o verdadeiro remédio para a pandemia e os inúmeros males que nos atingiram. Fraternidade e esperança são remédios de que o mundo precisa, hoje, tanto como as vacinas”, concluiu o Papa.

No encontro com o Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, o Papa Francisco manifestou o desejo de “retomar em breve as viagens apostólicas, a começar pelo Iraque prevista para o próximo mês de março”, referindo que “constituem um aspeto importante da solicitude do Sucessor de Pedro pelo Povo de Deus espalhado pelo mundo inteiro, bem como do diálogo da Santa Sé com os Estados”.

(Com Ecclesia)

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