Capelão português da Base das Lajes sublinha importância do “acolhimento”

Corredor humanitário para retirar civis e militares do Afeganistão até 31 de agosto pode intensificar movimento norte-americano na base açoriana

“Acolher e confortar” são as duas palavras escolhidas pelo capelão açoriano na Base das Lajes, padre Gaspar Pimentel, que antecipa uma eventual intensificação da presença de aeronaves norte americanas (civis e militares) na Baje das lajes, face à situação no Afeganistão.

“As necessidades de transporte de pessoas e a distância entre os Estados Unidos e o Afeganistão pode fazer com que a Base das Lajes volte a ter mais movimento que, por enquanto, ainda não se verifica” refere o sacerdote em declarações ao Igreja Açores.

“Não sabemos ainda como se vai processar tudo mas é possível que haja uma intensificação do movimento na pista das Lajes” adianta o sacerdote que faz do “acolhimento e do conforto espiritual” o seu principal desafio. E, embora seja capelão apenas da parte portuguesa mantém uma relação “de proximidade” com o o `capelão´norte-americano, que é protestante.

“A relação é muito boa; não nos cruzamos tanto como certamente desejaríamos por causa dos horários mas temos uma relação muito amistosa” refere ainda o sacerdote que lembra que os militares católicos norte-americanos são assistidos espiritualmente pelo pároco de Porto Martins, padre José Júlio Rocha, que celebra semanalmente uma Eucaristia para eles nesta paróquia da ilha Terceira.

A capelania da Base assiste maioritariamente os militares portugueses- cerca de 200- que acabam por formar quase que uma paróquia.

“Temos a celebração dominical, às 20h00; temos um pequeno coro e um grupo de acólitos e temos particularmente o terceiro agrupamento de escuteiros do CNE nos Açores, o agrupamento 111” refere o padre Gaspar Pimentel.

“A comunidade é pequena mas muito viva; até antes da pandemia tínhamos catequese”, exemplifica.

“A comunidade é formada por pessoas que estão deslocadas; com uma realidade diferente da que encontram nos lugares de origem e a nossa missão é diluir essas diferenças, acolhendo-as de forma a que se sintam em casa; isso ajuda a serenar e não gera tanto stress num grupo profissional que já está sujeito a níveis de stress consideráveis”, refere o sacerdote.

“Esta diversidade acaba por ser vantajosa para todos”, conclui.

A Base das Lajes tem sido um espaço importante para os norte americanos que ainda mantém um contingente de cerca de 200 militares em solo português. Em várias operações militares no médio oriente, a Base tem servido sobretudo para escalas técnicas e de reabastecimento, sobretudo depois do fim da guerra fria.  O anuncio da invasão do Iraque pelas tropas aliadas, em 2002, foi, porventura o momento de maior tensão nesta base que acolheu a cimeira de chefes de estado que deu origem à segunda guerra do golfo, na sequência dos ataques às Torres Gémeas, em Nova Iorque.

Na semana passada, os capelães militares portugueses Diamantino Teixeira e Licínio Silva, que estiveram em missão no Afeganistão, afirmaram estar a acompanhar a situação que se vive no Afeganistão com “tristeza” e preocupação, após os talibãs terem assumido o controlo.

“As minhas orações são para que a comunidade internacional reflita um bocadinho e vá em auxílio daquele povo porque eles não têm condições para inverter este sistema talibã que se está a implementar, que é injusto, é cruel, é terrorista, se não 20 anos de investimento na defesa daquele povo foi tudo por água abaixo”, disse o padre Diamantino Teixeira, em declarações à Agência Ecclesia.

“Era inevitável que isto acontecesse quando saíssem as forças internacionais; Quem esteve lá sabe perfeitamente que a investida talibã para conquistar o poder era constante, era a grande ameaça, os grandes inimigos que estavam sempre a tentar entrar”, acrescenta o capelão militar que esteve no Afeganistão entre fevereiro e setembro de 2007.

O padre Licínio da Silva, capelão na Base Naval de Lisboa (Alfeite) e na Base dos Fuzileiros (Vale de Zebro), que viveu “seis meses muito fortes” no Afeganistão, entre 19 de outubro de 2011 e 20 de abril de 2012, destaca “uma dimensão muito pacífica” na situação atual, sem “violência” das forças governamentais e dos talibãs, das imagens que conseguiu ver.

“Vi que o pessoal entrou, as tropas, a polícia ninguém reagiu, o próprio presidente saiu para evitar sangue, nesse aspeto penso que é positivo. Não houve violência, espero sinceramente que se mantenha e será excelente. Às vezes queremos impor as nossas regras, as nossas formas de ver e às vezes não é o mais correto”, disse à Agência Ecclesia.

Neste contexto, o padre Licínio da Silva manifesta preocupação com os intérpretes, os tradutores, que estão a “tentar sair para se protegerem”, porque têm medo de retaliações, porque são pessoas que tiveram uma “ligação muito grande” com os Estados Unidos da América, com a NATO, com os países da Europa, concretamente Portugal.

O presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, José Traquina, manifestou, entretanto, a disponibilidade da Igreja Católica portuguesa para ser envolvida no acolhimento de refugiados afegãos.

O bispo de Santarém, em declarações divulgadas pela agência Ecclesia, afirmou que, “com o apoio da Cáritas e o envolvimento da Conferência Episcopal” a Igreja fará o que puder “para auxiliar os que chegarem”, embora sublinhe que a “verdadeira preocupação são os que estão lá [no Afeganistão]”, pois desconhece-se “como vai ser o futuro daquele país”.

Para o presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, este é o momento de demonstrar solidariedade e disponibilidade para o diálogo.

“Desejamos que o diálogo seja a solução para a resolução dos problemas. Não são as armas ou as guerras”, disse o bispo José Traquina.

Os talibãs conquistaram a capital do Afeganistão, Cabul, no passado dia 15 de agosto, culminando uma ofensiva iniciada em maio, quando começou a retirada das forças militares norte-americanas e da NATO do país, que tem de estar concluída até 31 de agosto, sob pena de retaliações já pré-anunciadas pelo novo poder afegão.

As forças internacionais estavam no país desde 2001, no âmbito da ofensiva liderada pelos Estados Unidos contra o regime extremista (1996-2001), que acolhia no seu território o líder da Al-Qaida, Osama bin Laden, principal responsável pelos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.

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