Coragem para ousar

Por Renato Moura

Todos nascemos com dons e com oportunidades de os usar e fazer render. Temos também defeitos que nem sempre sabemos ou podemos corrigir. Agimos em favor do bem, ou permitimos injustiça, por acção, omissão, tolerância.

Depois da morte realçam-se as virtudes e esquecem-se as falhas; como um acto de bondade, todavia sem pura sinceridade.

Aos homens públicos acontece de tudo. Sobre o mesmo agente político os correligionários realçam capacidades e virtudes, ou até as inventam; ao invés os opositores, alguns inimigos sem rebuço, apelidam as virtudes de manobras de campanha e as incapacidades como gestos de ruim consciência.

Para ilustrar esta realidade, conto-vos uma história. Um florentino muito conhecido e estimado, dentro e fora da ilha, infelizmente já falecido, contou-me, a bordo de um avião onde viajámos lado a lado, revelações na sequência da minha passagem a deputado independente. Havia um seu vizinho, militante ferrenho, infelizmente também já falecido, o qual, durante muitos anos, exaltara as minhas qualidades políticas até ao exagero. No dizer do meu companheiro de viagem: “só me faltavam as asas para ser um anjo”; segundo ele, depois da minha passagem a deputado independente: “só me faltava o rabo para ser um diabo”!

Para honrar a memória não é preciso exagerar. E há méritos que seria mais justo reconhecer em vida, como justa compensação; como também se deveriam apontar em vida as imperfeições, para ponderação e correcção.

Muitas vezes fica sem reconhecimento a coragem de agir, particularmente dos políticos, em certas circunstâncias, especialmente quando assumem uma decisão pessoal considerada de imperativo de carácter. Fazem-no principalmente por profunda convicção, mesmo encontrando oposição junto dos correligionários e dos amigos, agindo contra a corrente, decidindo de forma imprevista, contrariando a prática corrente e tradicional.

O falecimento de Jorge Sampaio, motivou um conjunto de merecidos louvores pelos cargos desempenhados, nomeadamente o de Presidente da República. Talvez tenha faltado realçar mais a profundidade, a sinceridade e a convicção das suas atitudes mais invulgares e controversas, como terão sido, porventura, a mudança de partido assumindo discordância de fundo, avanço do principal dirigente de partido para candidato a uma câmara municipal, candidatura à Presidência da República sem apoio inicial firme, dissolução da Assembleia e convocação de eleições vencendo oposição de partidos, incluindo o seu; e de amigos também. Demonstrações de coragem para ousar.

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