Da pobreza e outras limitações

Por Carmo Rodeia

“A pobreza, para nós cristãos, não é uma categoria sociológica, filosófica ou cultural. Não! É uma categoria teologal”. Esta frase do Papa Francisco mostra que a Igreja pobre para os pobres não é uma proposta facultativa, é o caminho privilegiado para imitar Jesus Cristo.

Este domingo celebrou-se, pela primeira vez, o Dia Mundial do Pobre.

Numa sociedade cada vez mais individualista e egocêntrica é absolutamente necessário chamar a atenção de que se não podemos ser mais pessoas, podemos ser, pelo menos, melhores.

A pobreza assume hoje em dia contornos preocupantes e diferentes dos de há vinte anos. Deixou de ser apenas quantitativa, em que abaixo de um determinado limiar era considerado pobreza. Muita gente vive mal: sem dinheiro para por comida na mesa, sem um tecto para se abrigar, sem dignidade. O fosso entre os que têm tudo e os que não têm nada é cada vez maior, sendo que a faixa dos que não têm nada não para de engrossar.

Mas a esta pobreza material, a que a igreja terá de responder de forma assertiva (e já o faz, até muitas vezes acima daquilo que deveria ser a sua missão), há que somar outras formas de pobreza mais modernas e mais incisivas. Atualmente, há que ter em conta, entre outras, a pobreza relacional, a que está associada à solidão ou a que está ligada à falta de afectos ou à capacidade para lidar com as questões da diferença.

Ser pobre não é apenas ter menos dinheiro. É estar fora do sistema; não participar; perceber que não pode nem consegue participar porque não tem acesso… ser pobre hoje é ser excluído, incompreendido, vitima da indiferença e do preconceito.

São precisas opções de fundo para acolher, ajudar e integrar. Três verbos que a Igreja conjuga bem. Ou pelo menos deveria tentar. Fora e dentro de portas usando da máxima misericórdia. Não se trata de introduzir um relativismo que torna tudo igual ou uma espécie de indiferença ética…

A Igreja comprometida com a hospitalidade, a que é desejada pelo Papa Francisco, reinventa-se a partir do modelo de Jesus da Nazaré, excluído, pobre e fora do sistema. Ele era acusado de ser amigo e de comer e beber com publicanos e pecadores. Mas era nesses encontros que as transformações de vida se davam.

O acolhimento não é, por conseguinte, um prémio de bom comportamento, mas antes o primeiro gesto, totalmente gratuito. Mas tem de partir das vidas concretas das pessoas, como diz o Evangelho:  “se alguém te pede para caminhar uma milha, caminha duas”. É essa disponibilidade para um caminho longo que, no desafio do Papa Francisco, a Igreja tem que ter. E o espírito missionário também tem de se viver no lado de fora da porta, no meio da cidade, nesse espaço de fronteiras indecifráveis, de muros invisíveis e de bloqueios existenciais que hoje atravessam as nossas vidas,sem que consigamos dar por eles.

Ninguém pode ser excluído do amor e da misericórdia de Deus. E essa experiência de misericórdia tem de ser levada a todos, sem exceção. A começar pelos de dentro, quaisquer que forem as suas opções. Pobres, ricos, casados e celibatários, novos e velhos, mais assim ou mais assado.

Nas televisões pedem-nos para eleger a palavra do ano. Eu cá escolhia abraçar. Não rima com o resto do texto mas encosta à atitude que a igreja deve ter com todos.

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