Igreja açoriana “precisa conhecer a cor e o cheiro das suas ovelhas” num rebanho ”cada vez mais mirrado”

O Teólogo Cunha de Oliveira lançou ontem um novo livro “O Rosto Humano de Deus”

A igreja diocesana “precisa urgentemente” de conhecer a sociedade açoriana através da realização de um estudo “sociológico” sobre as pessoas, o seu pensamento e a sua fé, a começar pela caracterização da prática dominical.

A ideia é avançada ao Sítio Igreja Açores pelo Teólogo Artur Cunha de Oliveira que esta quarta feira lançou o seu mais recente livro, “O Rosto Humano de Jesus”, no qual propõe um regresso ao principio, “a uma comunidade de fé” onde todos os evangelizadores “ouçam, ajam e atuem de acordo com o Senhor  Jesus”; uma sessão que contou com a presença de Frei Bento Domingues.

“A minha ideia é procurar refletir teologicamente a partir da Bíblia, regressando sempre ao principio, porque cada vez mais estou convencido que somos herdeiros espirituais de Jesus de Nazaré”, acrescenta.

Artur Cunha de Oliveira, sublinha, ainda que “apesar de ter sido o Senhor Jesus quem deu origem ao movimento religioso e de renovação que é, na essência, o Cristianismo, não é evidente que na Igreja Católica, por exemplo, para o comum das pessoas a figura histórica do Senhor Jesus ocupe o centro da devoção e da religiosidade”.

E, acrescenta que “o Cristianismo não foi, originalmente, uma religião de dogmas, de ritos, de cânones, mas de compromisso e de missão”.

“Na Bíblia, `cristos´ e `messias´ foram aqueles a quem Deus escolheu, predestinou e dotou de dons especiais para poderem levar a cabo ações de salvação. (…) O Cristianismo, como religião, deve-se ao Senhor Jesus de Nazaré, personagem histórica”, prossegue o autor lembrando que “Os discípulos e seguidores do Senhor Jesus passaram a ser denominados cristãos a partir de Antioquia da Síria (Act.11,26b), muito provavelmente por influência de algum funcionário ou militar romano e pagão. Nunca por iniciativa própria”.

“O Rosto Humano de Deus” é uma edição do Instituto Açoriano de Cultura que totaliza 384 páginas, que o autor contextualiza como “um ensaio teológico” à semelhança de outros três sobre aspetos “revolucionários que Jesus operou sendo as mãos, os pés, a boca de Deus no outro”.

Em declarações ao Sítio Igreja Açores e refletindo sobre o momento atual da Igreja, que prefiere chamar “comunidade de fé porque foi isso que Jesus defendeu”, lamenta que hoje “muitos sacerdotes sejam esencialmente funcionários” afastados “do que é essencial”.

“Era importante regressarmos ao princípio e para isso precisamos de estudar” diz Cunha de Oliveira afirmando que está “na hora de lançar as bases de um sínodo diocesano” mas “com todos” e “não só com os crentes”, repetindo uma espécie de “átrio dos gentios”.

“Precisamos de conhecer a cor e o cheiro das nossas ovelhas. A sociedade açoriana mudou muito. Quem são os líderes, quem pensa o quê; quem é que pratica; quem é que crê, e crê no quê… está a faltar este conhecimento de base”, refere, como “está também a faltar um conhecimento dos que nâo crêem e das razões porque não crêem para que possamos chegar até eles como evangelizadores”.

Aliás o próximo livro, que já está na forja, é justamente sobre este assunto. “Crer. Mas em quê” é o desafio que este teológo, ex professor do Seminário Episcopal de Angra, quer lançar porque hoje “crê-se muito e tem-se pouca fé”.

“A nossa igreja é demasiado instituição e menos comunidade de fé; dá-nos soluções com base no direito canónico em vez do amor do evangelho”. Por isso “quando vejo e ouço o Papa Francisco, por vezes comovo-me porque acho que se o Senhor Jesus fosse Papa, era como ele”.

Lamenta que a “ortodoxia tenha tirado o lugar à ortopraxia e que os fieis sejam “mais fieis à crença do que à fé”.

De acordo com Artur Cunha de Oliveira é esta reflexão que o Papa propõe todos os dias.

“A sua ação tem uma enorme utilidade porque abana as consciências, desperta a reflexão e estimula o debate. Só por isso é muito útil a sua vinda para a liderança da igreja porque todos os dias, nos encontros que tem , seja com a população sejam com os dirigentes políticos ele deixa a semente, como na parábola. Era isto que faltava à igreja enquanto comunidade de fé”, conclui.

Artur Cunha de Oliveira, sacerdote católico dispensado do ministério e casado, foi professor no Seminário Episcopal de Angra, cónego da Sé, assistente diocesano de vários movimentos, organismos e associações de apostolado e, na sociedade civil, diretor do diário A União, co-fundador do Instituto Açoriano de Cultura, de cujas Semanas de Estudo dos Açores foi secretário permanente, durante vários anos.

Foi presidente da Comissão Administrativa da Junta Geral do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, diretor e fundador do Departamento Regional de Estudos e Planeamento dos Açores (DREPA), deputado ao Parlamento Europeu, presidente da Comissão Diocesana de Justiça e Paz e da Assembleia Municipal de Angra do Heroísmo.

Esta é a sua quarta obra publicada no Instituto Açoriano de Cultura, depois de “A Morte do Justo” (2013); “Natal – Verdade. Lenda. Mito” (2012) e “Jesus de Nazaré e as Mulheres – A Propósito de Maria Madalena” (2011).

Estes ensaios teológicos foram editados sempre pelo Instituto Açoriano de Cultura, que ele próprio ajudou a fundar sendo o único fundador vivo.

“Não poderia ir para outra casa porque esta é a minha casa”, recorda lembrando outros companheiros como D. José Pedro Silva, bispo de Viseu, José Enes ou José Oliveira Lopes, todos docentes do Seminário e que um dia acalentaram o sonho de criar uma editora que publicasse estudos e pensamento teológico, a partir dos Açores.

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