Moinhos de Vento

Pelo padre Hélder Miranda Alexandre

O génio de Cervantes relata-nos, numa toada de bom humor, o louco cavaleiro que investe contra as velas do moinho, perante o espanto do seu fiel escudeiro Sancho Pança que o tenta dissuadir. O ímpeto não termina bem e o cavaleiro é jogado para longe, pasto afora (Dom Quixote, cap. VII).

— Quais gigantes? — disse Sancho Pança.
— Aqueles que ali vês — respondeu o amo — de braços tão compridos, que alguns os têm de quase duas léguas.
— Olhe bem Vossa Mercê — disse o escudeiro — que aquilo não são gigantes, são moinhos de vento; e os que parecem braços não são senão as velas, que tocadas do vento fazem trabalhar as mós.
— Bem se vê — respondeu D. Quixote — que não andas corrente nisto das aventuras; são gigantes, são; e, se tens medo, tira-te daí, e põe-te em oração enquanto eu vou entrar com eles em fera e desigual batalha.

O segredo reside no modo de ver, ou enviesado, ou com um pouco de loucura, ou na crueza do quotidiano, sem doçura. Na verdade, ter fé é ver além do imediato – “põe-te em oração”, diz Quixote a Sancho Pança. Naturalmente não defendo que deva acreditar em ilusões ou fantasmas. No entanto, a fé ensina que muito que parece ilusão não é. O amor não é fantasma! É muito concreto, tem carne e osso. Por isso, o cristão sofre de um otimismo incurável que lhe vem do encontro com o seu Senhor, apesar de todas as bestas do apocalipse, guerras e sinais dos céus. A comunidade crente é uma comunhão de discípulos perseguidos, de uma fé de catacumbas, que acontece pela entrega da própria vida. Pode ser incómodo, mas a fé só pode ser revelada na doação do próprio ser. Senão, arrisca-se a ser simples memória, por muito interessante que seja, mas insuficiente.

É esta esperança que alimenta o compromisso com o mundo. Como nos comunicou recentemente o Papa Francisco: “nestes meses, em que o mundo inteiro foi dominado por um vírus que trouxe dor e morte, desconforto e perplexidade, pudemos ver tantas mãos estendidas! (…) Todas estas mãos desafiaram o contágio e o medo, a fim de dar apoio e consolação”.

Tudo depende da vontade que se tem, porque o olhar também se educa. Ou se combatem moinhos ou se vê neles o sopro do Espírito que faz mover a mó. E do grão se faz farinha que pode ser hóstia. Os grãos estão por aí, nos batizados generosos, que se deixam conduzir pelos ventos do Espírito.

Ainda se fala em Igreja caduca? Tal descrença…  Aprendi que não é coisa separada da Igreja do Espírito Santo. Temos esta, com todos os seus limites e pecados, mas também com muito suor, generosidade e amor. Pode-se criticar, porque se quer que seja melhor. Mas não é justo projetar-lhe as frustrações pessoais, nem as desilusões, muito menos os fantasmas de moinhos. Ela depende de cada um, de cada crente, das mãos estendidas e dos sonhos que deverão ser de Deus. E mesmo assim, a obra não é nossa.

“A Igreja é o trabalho do Espírito na comunidade cristã, na vida comunitária, na Eucaristia, na oração. Sempre! E tudo o que cresce fora dessas coordenadas não tem fundamento. É como uma casa construída sobre a areia. É Deus quem faz a Igreja, e não o clamor das obras.” (Papa Francisco, audiência geral de 4ª feira, 25 de Novembro de 2020).

 

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