Na Eutanásia matam-nos no outro

Por Tomaz Dentinho.

Eutanásia é o tema que temos que pensar. Façamo-lo de coração aberto. Aberto ao acontecimento que leva ao conhecimento, para que este texto não seja mais do que umas frases de opinião e se aproxime do sentido que verdade possibilita.

No acontecimento a idade torna-nos vizinhos dessa tentação tanto para os que nos são mais próximos como para nós mesmos. E dessa experiência de tempo íntimo nasce a certeza da liberdade para fazer melhor, por um lado porque o fizemos com base nos alertas do coração e, por outro lado, porque o confirmámos na alegria, memória e criatividade que a morte com esperança sempre dá.

Olhando para trás percebemos e sabemos que não seria assim se a presença do quem morreu fosse arredada prematuramente pelo descuido na luta pela vida, ou mesmo pela desistência mais ou menos assistida daquela vida. Se não estivesse connosco até ao fim não testemunharíamos a pacificação da sua mente, a sabedoria do seu olhar e o recado do seu amor por nós. Se não estivesse connosco até ao fim não teríamos hoje os silêncios de perdão e criação que comunicamos uns com outros sem dizer nada. Se não estivesse connosco até ao fim não teríamos tido possibilidade de perceber nada de nada do que é a vida, quanto mais do que é a morte.

E não custou nada. Como sempre bastou dar o primeiro passo que o coração nos leva dar. Já devem ter notado que a circunstância se adapta ao coração quando o coração está atento ao que o circunda. Porque, sei agora, o coração não vive sem o que o circunda e sem essa atenção mútua. E é assim que deixando os outros morrer acabamos também por morrer também, ainda mais quando os outros nos são mais próximos.

O conhecimento que este acontecimento alimenta e frutifica fica então mais claro. Em primeiro lugar, nós somos o outro, complementamo-nos e precisamos dele e sentimos essa falta ainda mais quando a sua morte se aproxima. Podemos estar distraídos dessa necessidade e muitas vezes queremos afastá-la; mas todos vamos sabendo que, muito para além da obrigação moralista, da gratidão reconhecida ou da precaução educativa dos que ficarão a tratar de nós se quiserem, o coração nos trás a alegria simples na presença e, mesmo sem o queremos, a consciência insistente na ausência. Em suma não quero que me matem matando os outros.

Em segundo lugar, não quero que me matem quando chegar a minha vez de morrer. Mesmo que em desespero essa tentação passe pela minha mente. Quero ter todos os momentos a que tenho direito porque todos esses momentos são oportunidade de interação com Deus e com os outros.

Finalmente não gostaria que uma sociedade quisesse passar a decisão da vida e da morte para a sua esfera de resolução porque a relativização da vida e da morte nos torna muito infelizes e sem sentido. Resta-nos a vida virtual dos filmes e das novelas onde alguns ainda conseguem vivificar na tela para ganhar óscares.

A decisão sobre a Eutanásia não é para passar ao lado, um não porque não ou um sim ideológico absurdamente sem fundamento. O pensamento passa por cada um de nós pelo menos duas vezes na vida, quando os pais morrem e quando morremos. O Estado só serve para defender quem vai morrer porque se for diferente mais vale acabar com o Estado que nos mata.

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