O cotonete, os migrantes e o tempo de Natal

Por Carmo Rodeia

Um acordo em Bruxelas dita a proibição de alguns plásticos de utilização única, como cotonetes, palhinhas e talheres de plástico, a partir de 2021. Segundo o texto do Conselho de Ministros do Ambiente da União Europeia, o lixo marítimo é um problema global cada vez maior. O acordo alcançado, esta noite, necessita ainda de ser formalmente ratificado pelos Estados-membros e pelo Parlamento Europeu (PE), esperando-se que o processo esteja concluído até à primavera de 2019 e possa entrar em vigor em 2021. Mas tudo indica, segundo as notícias que chegam de Bruxelas, que não há desacordo entre os 28.

O respeito pela natureza é uma exigência de todos nós porque se trata de cuidar da casa comum e, a nossa obrigação como gestores responsáveis e não donos de um qualquer ecossistema, é gerir bem e de forma sustentável.

Mas quando vemos a facilidade com que os europeus estão de acordo em matéria de proteção dos ecossistemas naturais, ou noutras como o tamanho das rolhas das garrafas ou a altura das tomadas numa parede e não vemos o mesmo empenho e desvelo na proteção da vida e da dignidade humana, as campainhas têm de soar.

Refiro-me naturalmente a esse enorme problema que é a migração, em relação ao qual a maioria dos estados da União Europeia assobia para o lado. Até agora ainda não foi possível encontrar uma política comum que seja respeitada por todos e que privilegie a defesa da dignidade humana,e os imigrantes que querem vir para a Europa em busca de uma vida digna esbarram, cada vez mais, em paredes burocráticas, feitas dificuldades.

Nos anos 60, os países europeus abriram as suas portas aos imigrantes estimulando que pessoas das mesmas nacionalidades, que partilhavam a língua de origem, a religião e os modos de vida vivessem nos mesmos bairros ou cidades.

Esse modelo de integração, denominado “comunitarista”, muito difundido nos EUA e no Reino Unido, era então considerado por académicos e por autoridades públicas como a forma mais moderna de integração por acreditar que culturas diferentes poderiam coexistir numa sociedade sem conflitos, rejeições ou isolamentos.

Quarenta anos depois, o comunitarismo deu origem a novos “guetos”, bairros com grande presença de população de origem estrangeira, marcados pela pobreza, pelo desemprego, pela desigualdade de género, pela radicalidade religiosa, pela criminalidade e, em casos extremos, pelo jihadismo.

O multiculturalismo na Europa não se sustentou no longo prazo e cria agora um problema. A que acresce uma inusitada onda de imigrantes, provenientes de zonas em conflito, em grande parte sustentado por interesses geoestratégicos de geometria variável, em que os ocidentais vão-se posicionando de acordo com o seu umbigo e as necessidades do momento, mas raramente de acordo com o principio elementar da defesa da dignidade humana.

A chegada de barcos cheios de imigrantes pobres e desesperados à Europa pelo mar Mediterrâneo é um assunto que passa de agenda de reunião em agenda de reunião sem que se encontre uma solução global e, à falta dela, os países vão adotando medidas unilateriais consoante a sensibilidade política de quem os governa. Infelizmente, a eleição de partidos populistas, nacionalistas e com uma boa dose de xenofobia faz com que a situação seja ainda mais grave e todas semanas, para não dizer quase dia sim dia não, vemos e ouvimos notícias de navios com centenas de imigrantes abandonados à deriva no Mediterrâneo.

Esta terça feira, o Papa Francisco voltou a apontar o dedo aos líderes nacionalistas que culpam os imigrantes pelos problemas dos próprios países e fomentam a desconfiança na sociedade buscando ganho desonesto e promovendo políticas xenófobas e racistas.

“Discursos políticos que tendem a atribuir todo o mal aos imigrantes e a privar os pobres de esperança são inaceitáveis”, disse o papa, que não mencionou qualquer país ou líder.

Na mensagem para o Dia Mundial da Paz, que se celebra a 1 de janeiro, afirma “ser triste que a desconfiança seja vista no nível político, em atitudes de rejeição ou formas de nacionalismo que criam dúvidas sobre a fraternidade de que nosso mundo globalizado tem tanta necessidade”.

Na semana passada o Papa já tinha elogiado o primeiro Pacto Global para a Migração da ONU, que estabelece objetivos para a melhoria da administração da migração. Várias nações, inclusive EUA, Itália, Hungria e Polónia, não foram à reunião no Marrocos, enquanto o futuro presidente do governo brasileiro, Jair Bolsonaro, anunciava pomposamente que vai retirar o país do pacto.

Os “vícios” dos políticos estão a minar a Democracia.

Em tempo de Natal, se calhar poderíamos rezar, olhando para o presépio, e em vez de pedirmos bugigangas poderíamos pedir uma boa dose de discernimento e sentido do outro para os políticos que nos governam. Talvez conseguissem no próximo Conselho Europeu chegar a um acordo sobre os migrantes em vez de se preocuparem apenas com os cotonetes, e já agora as caixas de hambúrgueres…

Votos de uma santo e feliz Natal.

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