O desumano arroubo do “agora”

Por Renato Moura

Tenho visto e ouvido sublimar o “agora” e riscar o “ontem” e o “amanhã”. Todos são apenas advérbios, mas estou firmemente convencido que aquilo que cada um representa – na vida das pessoas, das comunidades, das instituições, das empresas – possa ser exaltado com absoluto desprezo por qualquer dos outros.

Não encontro uma boa justificação para que um ser humano, naquilo em que interfira, opte e aja agora desprezando tudo aquilo que viveu e aprendeu no passado, ou sem ponderar e avaliar a sua actuação relativamente ao futuro.

A capacidade humana de recordar e de raciocinar sobre o passado, seja no que teve de bom ou de mau, dá experiência e crescimento para melhorar o presente e preparar, até onde isso é possível, o futuro. Não devemos fazer do passado irrepetível uma depressão presente, nem do futuro imprevisível uma ansiedade paralisadora.

Parece indiscutível que temos de gerir da melhor forma o presente, durante o qual os “agora” se sucedem a velocidade estonteante, pois que é o tempo em que podemos fazer escolhas, desejavelmente serenas, desprezando as falsas urgências e as prioridades injustificáveis; mas só o podemos fazer face aos limites das consequências do ontem e tomando em mão as ferramentas então adquiridas. A crença em que o amanhã virá, é que impede o torpor e por isso todas as opções devem ser suficientemente conscientes para organizar, na medida em que dependa de nós, o futuro.

Deus dotou o ser humano de consciência, de inteligência, de capacidade para pensar e inspirou-lhe o sentido da perfeição que deve buscar. É por isso que o homem, ao intervir no agora, não consegue evitar a consciência que tem do ontem e por isso sabe que amanhã lidará com quanto resultar do seu agora.

Chega a parecer que aos animais só importa o agora. Mas até a esses o Criador dotou com capacidade para aprenderem com as experiências do ontem (como acontece no aperfeiçoamento das caçadas), ou providência para o amanhã (escondendo alimento em excesso).

No limite, o agora pode ser desfrutar sem limites, puro materialismo!

Exaltar o agora pode ter sentido, só e na medida em que, se quiser transmitir que o homem nunca poderá ficar absolutamente condicionado por um ontem, por pior que tenha sido, ou tolhido de medo e entravado por um amanhã com algumas condicionantes que não domina.

Parece-me inquestionável que nenhum humano amanhã poderá evitar confrontar-se com o agora e o ontem. Os crentes agem agora procurando aperfeiçoar-se do ontem e certos de que haverá um amanhã depois da vida terrena.

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