O escândalo da pobreza

Por Carmo Rodeia

“Não podemos ficar inertes nem tão-pouco resignados” perante o “escândalo” do “alastramento da pobreza nos grandes setores da sociedade do mundo inteiro”, escreveu o Papa Francisco na mensagem para o primeiro dia mundial dos pobres, que se celebra no dia 19 de novembro próximo, trigésimo terceiro domingo do tempo ordinário.

Instituído no ano passado na conclusão do jubileu da misericórdia, o dia constitui para toda a comunidade cristã uma ocasião para testar a capacidade de estender a mão aos pobres, aos débeis, aos homens e às mulheres aos quais muitas vezes é espezinhada a dignidade.

O momento central de 19 de novembro será a missa presidida pelo Pontífice com os pobres e os voluntários. Em particular, para estes últimos está prevista também uma vigília de oração no sábado 18, em São Lourenço fora dos Muros: uma ocasião para fazer memória do grande santo romano que elevou a figura do pobre a verdadeiro e único “tesouro” da Igreja.

A opção pelos pobres é uma “categoria teológica” antes de ser cultural, sociológica, política ou filosófica, como já referiu por várias vezes o Santo Padre, e constitui uma forma especial de primazia no exercício da caridade cristã, da qual toda a tradição da Igreja dá testemunho.

A resignação nunca poderá ser a resposta perante os números chocantes: no mundo 62 ricos possuem a mesma riqueza que 3,5 mil milhões de pessoas. Há hoje 871 milhões de pessoas com fome; 250 milhões de migrantes que não têm para onde ir. O tráfico de droga envolve mais ou menos 300 mil milhões de dólares e estima-se que nos paraísos fiscais 2,4 milhões de milhões de dólares circulem de um lado para o outro.

Caímos “na idolatria do dinheiro” como refere o Papa Francisco na exortação apostólica A Alegria do Amor, na qual reafirma que, segundo o Evangelho, há uma incompatibilidade básica entre Deus e o dinheiro, sobretudo quando este é idolatrado.

A nossa resposta, como igreja, a este novo `deus´ da pós modernidade, entre tantos outros,  não poderia ser mais simples: as bem-aventuranças e o capítulo 25 de São Mateus que estabelece o critério sobre o qual seremos “julgados” enquanto cristãos: tive fome , tive sede e deste-me de comer e de beber.

O governo Regional apresentou ontem a criação de um plano inovador de luta contra a pobreza. Conhece-se pouco do seu conteúdo para além das palavras e do epíteto de “inovador “ e “dianteiro” em relação ao que já existe.

A igreja açoriana tem vindo a eleger, e bem,  as questões sociais como o mote inspirador para a ação diocesana de pastoral.

Os planos são importantes para enquadrar e articular a ação; mas a ação de per si é a melhor resposta aos problemas. Matamos a fome e a sede mas também devemos garantir a promoção social de quem está em exclusão e isso só se consegue com a autonomização dos pobres, através da criação de emprego e da aposta inequívoca na sua qualificação.

Pôr-se ao serviço dos pobres, à escuta do povo, à escuta de Deus e comunicar a verdade, a bondade e a beleza “em pessoa” é a nossa missão e não um exercício de retórica, com mais ou menos vigor sociológico, com maior ou menor assertividade conceptual, onde os conceitos estão alinhados, todos professamos as boas intenções, mas onde falta o essencial: riqueza de coração… e de visão para agir. E, neste capítulo, a igreja não tem feito pouco.

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