“Os padres têm de confiar mais nos leigos”

Aos 90 anos de idade e a pouco mais de uma semana de completar 65 anos de ordenação sacerdotal, Monsenhor Júlio da Rosa vai ser homenageado amanhã na sua paróquia de sempre, no âmbito das festas de Nossa Senhora das Angústias. E aceitou falar ao Portal da Diocese.

Portal da Diocese (PD)- O que mais marcou a sua vida Sacerdotal?

Monsenhor Júlio da Rosa- O último seculo foi muito interessante. As décadas de 40, 50 e 60 foram muito ricas graças à ação católica. Tivemos um bispo importante – D. António Castro Meireles que tinha como objetivo criar em cada capital de distrito uma escola católica e um semanário que pudesse formar os cristãos e defender a Igreja dos ataques políticos. A seguir as coisas ficaram piores porque o Bispo que se seguiu destruiu por completo este plano pastoral. Na altura era necessário fazer uma política por parte da igreja, coisa que o Vaticano II veio alterar.

 

 

PD- Qual a importância do Concilio II Vaticano?

Monsenhor Júlio da Rosa– O concílio Vaticano II trouxe uma nova dinâmica à igreja. Veio trazer poder aos leigos. A Igreja hoje está mais clerical. O papa Francisco tem feito muitos apelos ao combate à pobreza. O papel de combate à pobreza é dos leigos, os padres são diretores espirituais e com o número de paróquias que hoje têm, não é fácil ter uma tarefa mais próxima das pessoas. Os padres devem confiar mais nos leigos e colocar mais atividades nas suas mãos.

 

PD- Como caracteriza os sacerdotes de hoje.

Monsenhor Júlio da Rosa- Por causa do número maior de paróquias que cada pároco tem, os padres têm cada vez menos tempo para se cultivar. Faz falta ler, construir uma biblioteca, tirar tempo para estudar para que não haja repetição no que dizem. A formação permanente é importante e, aqui, os professores do seminário poderão ajudar os colegas com aquilo que sabem e proporcionar-lhes formação. Ajudou-me muito o facto de dar aulas no Liceu da Horta. Porque ensinava, tinha necessidade de aprender e de me cultivar, obrigava-me a ler. Ter passado pelo museu ajudou-me a cultivar-me nas artes e graças ao dinheiro que recebia podia ter uma vida intelectual muito profunda.

PD- Como analisa a situação atual do mundo?

Monsenhor Júlio da Rosa- O capitalismo trouxe ao mundo um desrespeito grande pelo mais pobre. A UE está muito desnorteada e os dirigentes políticos não estão à altura dos problemas que enfrentamos. O período áureo foi a época em que nasceram as ordens mendicantes nos séculos XII, XIII e XIV em que os leigos assumiram um papel fulcral no combate à pobreza e à exploração dos bens materiais. Atualmente, na UE um grupo restrito de países exerce mais poder sobre os outros, subjugando os mais fracos face aos mais ricos. Quando os mais ricos falam os mais pobres calam-se, os que se bastam não apoiam os que estão em banca rota. As elites europeias não estão preparadas para governar, não são parte da solução mas o problema.

 

 

PD-Como analisa a situação clerical açoriana atualmente.

Monsenhor Júlio Rosa- Portugal não tem bispos de qualidade, com raras exceções. Houve uma decadência muito grande na formação dos padres e na vivência do múnus sacerdotal. Em outros tempos, o Seminário de Angra era a universidade dos Açores, tivemos grandes cabeças como o Dr. José Enes, Dr. Cunha de Oliveira e outros que fizeram dos formadores do Seminário Episcopal de Angra um dos melhores do país, alguns deles saíram para formar universidades como o caso do Dr. José Enes.

 

 

PD- Que momentos marcaram a sua vida paroquial.

Monsenhor Júlio Rosa– Os antigos cursos de cristandade foram uma grande escola de formação de leigos, a casa dos rapazes que deu formação intelectual a rapazes pobres da freguesia, a cozinha económica que distribuiu muitas refeições aos mais desfavorecidos. O povo é capaz de auxiliar o sacerdote, por isso devemos entregar nas mãos dos leigos as coisas e o padre deve conduzir os leigos para serem igreja. O papel de cada um é muito importante, é mesmo  insubstituível!

Vim para o Faial em 1957 para cura do Padre Medeiros aos 25 anos, fui professor de história no liceu durante duas décadas e 17 anos diretor do museu.

Quando fui capelão do Lar de São Francisco comecei com as irmãs a fazer exposições de arte sacra na Igreja de São Francisco. Daí parti para a criação do museu de Arte Sacra que poderá ser importante para o estudo da origem da escultura e da arte nas ilhas.

 

 

PD- Ainda tem projetos para o futuro?

Monsenhor Júlio da Rosa– Gostaria que Deus me desse mais quatro anos para ver funcionar a Fundação Mater Dei, numa vertente social.

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