Papa diz que vida faraónica é incompatível com fé cristã

Francisco concedeu entrevista a «jornal de rua» holandês e responde a críticas sobre «riqueza» da Igreja

O Papa reforçou os seus apelos em favor da luta contra a pobreza e disse que uma vida de “faraó” é incompatível com a fé cristã, numa entrevista ao jornal de rua holandês ‘Straatniews’, publicada hoje.

“A Igreja deve falar com a verdade e também com o testemunho: o testemunho da pobreza. Se um fiel fala da pobreza ou dos sem-abrigo e leva uma vida de faraó, isso não pode ser”, referiu Francisco.

O Papa é questionado sobre a existência de “pressão” sob para vender os “tesouros da Igreja”, afirmando que o que está em causa são “tesouros da humanidade”.

“Por exemplo, se eu amanhã dizer que a ‘Pietà’ de Michelangelo vai ser leiloada, isso não seria possível, porque não é de propriedade da Igreja. Está numa igreja, mas é da humanidade. Isso aplica-se a todos os tesouros da Igreja”, precisou.

Francisco explica que, no entanto, iniciou a prática de vender ou sortear “presentes” que lhe são oferecidos para ajudar a Esmolaria Apostólica, o seu braço direito para a caridade no Vaticano.

“Se fizermos um catálogo dos bens da Igreja, pensamos: a Igreja é muito rica”, admite o Papa.

A entrevista foi gravada a 27 de outubro, antes da publicação notícias sobre a situação económica da Santa Sé, após a publicação dos livros ‘Via Crucis’, de Gianluigi Nuzzi, e ‘Avareza’, de Emiliano Fittipaldi, com relatos de oposição interna às reformas financeiras do Papa Francisco.

O pontífice argentino responde às críticas e diz que “os bens imóveis da Igreja são muitos” mas são utilizados “para manter as estruturas da Igreja e para manter muitas obras que são feitas em países necessitados: hospitais, escolas”.

“Por exemplo, eu pedi para enviar ao Congo 50 mil euros para construir três escolas em lugares pobres; a educação é uma coisa importante para as crianças. Fui à administração competente, fiz este pedido e o dinheiro foi enviado”, acrescentou Francisco.

O Papa recua até 1929, quando foi assinada a Concordata com a Itália, e Pio XI pediu “meio quilómetro quadrado para garantir a independência da Igreja” [o Estado da Cidade do Vaticano].

“Este princípio vale ainda hoje”, realçou.

Francisco fala das relações Igreja-Estado, pedindo que os acordos sejam “claros, transparentes”, para evitar a corrupção.

“Há sempre a tentação da corrupção na vida pública. Seja política, seja religiosa”, advertiu.

O Papa confessou o sonho de “um mundo sem pobres”, pelo qual é preciso lutar, mas lembrou que existe sempre “a ganância humana, a falta de solidariedade, o egoísmo que criam os pobres”.

“Matar as crianças para remover órgãos é ganância. Por isso, não sei se teremos um mundo sem pobres, porque o pecado existe sempre”, observou.

Francisco vai às memórias de infância para justificar o seu empenho pessoal pelos pobres, evocando uma imigrante italiana que ajudava a sua mãe, em Buenos Aires.

“Sempre mantive a recordação daquela mulher. A sua pobreza impressionava-me”, confessa, relatando o seu encontro com a mulher, já como arcebispo de Buenos Aires.

“Ela tinha 90 anos e eu acompanhei-a até a morte, aos 93 anos. Um dia, ela deu-me uma medalha do Coração de Jesus que até hoje ainda trago comigo. Esta medalha – que também é uma recordação – faz-me muito bem”, acrescentou.

O Papa dirige-se aos sem-abrigo e diz que “a Igreja quer abraçar a todos” defendendo o seu direito aos “três ‘t’: trabalho, teto, terra”.

Francisco admite que possa existir “cansaço” na opinião pública face aos seus constantes apelos em favor dos mais desfavorecidos.

“Não me preocupo, tenho de continuar a falar das verdades e de como as coisas são”, replicou.

CR/Ecclesia

 

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