Rorate Caeli desúper et nubes plúant justum!*

Pelo Pe. Agostinho Lima

Tempo (s) de espectativa

Eis-nos chegados a mais um Advento a que necessariamente se seguirá o Natal!

Natal é um tempo sempre muito esperado, nomeadamente pelas crianças, mas, também, na sua magia, a todos nos toca e encanta! Por isso, ninguém fica indiferente a este tempo! Se não for por aquilo que ele contém de mais específico, certamente por outros motivos, mesmo que não estejam diretamente relacionados com ele.

Aproximações de Deus

A história da salvação caracteriza-se por um conjunto de aproximações de Deus em direção ao Seu Povo. Uma viagem pelo Antigo Testamento traz-nos à memória a vivência de um Povo, tantas vezes provado e outras tantas a caminho da libertação. Umas, desconfiando da presença de Deus a seu favor nos combates a travar, outras, acreditando com firme convicção! E este tempo permite-nos observar, com maior nitidez, o desejo de Deus em se aproximar, sempre mais, do Homem. Diríamos que, nesta transição de Testamentos, uma nova etapa tem lugar, nessas aproximações de Deus, e caracteriza-se pela oferta do Filho à humanidade desesperançada. Nem mais!

A escritura reza: Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais pelos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por seu Filho… Hebr. 1, 1-2

Derramai, ó céus, o vosso orvalho do alto, e as nuvens chovam o Justo. (Rorate Caeli)

(Não vos ireis, Senhor, nem vos lembreis da iniquidade. Eis que a cidade do Santuário ficou deserta: Sião tornou-se deserta; Jerusalém está desolada. A casa da vossa santificação e da vossa glória, onde os nossos pais vos louvaram!) Rorate Caeli.

Inspirado pelos clamores do Antigo Testamento, para que Deus nos resgatasse e nos mandasse o Messias, o “Rorate Caeli” representa magistralmente o espírito de súplica e expectativa do Advento. No “Rorate Caeli”, parece notar-se a feliz conjugação das forças da natureza para que este momento, há muito ansiado, surja. Do Filho de Deus que vem visitar o Seu Povo. Este convocar a natureza é sintomático e vários autores empregam este recurso, como o nosso Camões, lírico, na medida em que, muitas vezes, toma a natureza como confidente.

“Pois não temos um sumo sacerdote que não seja capaz de compadecer-se das nossas fraquezas, mas temos o Sacerdote Supremo que, à nossa semelhança, foi tentado de todas as formas, porém sem pecado algum. “(Hb 4, 15)

O Advento-Natal prepara-nos para a revelação do Filho, nomeadamente no que concerne à Sua caracterização. Ao de cima vem, com muita nitidez, a sua humanidade que os evangelhos da infância, muito lidos por estes tempos, mais não são do que álbuns abertos deste Menino-Deus que vem para dar uma volta à humanidade envolta em trevas. A magia dos textos de infância possibilita-nos o retorno a vivências, hoje esbatidas, e que contribuíram para a nossa formação. A candura dos anjos, a visitação de Maria a Sua prima Isabel, a deslumbrante cena da anunciação, o recôndito presépio…são peças literárias inesquecíveis, mesmo para quem não está muito relacionado com os livros que nos trazem a Palavra de Deus.

Contemplar a humanidade do Filho de Deus é reconfortante!

Quando os anjos se afastaram, voltando para o céu, os pastores disseram entre si: “Vamos a Belém, ver este acontecimento que o Senhor nos revelou.” Os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido, deitado na manjedoura. Tendo-o visto, contaram o que lhes fora dito sobre o menino. E todos os que ouviram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam. Quanto a Maria, guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração. Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido, conforme lhes tinha sido dito. Lc. 2, 15-20

O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar. Is 9, 1

Levanta-te e resplandece, Jerusalém, porque chegou a tua luz e brilha sobre ti a glória do Senhor. Vê como a noite cobre a terra e a escuridão os povos. Mas, sobre ti levanta-Se o Senhor e a sua glória te ilumina. As nações caminharão à tua luz e os reis ao esplendor da tua aurora. Olha ao redor e vê: todos se reúnem e vêm ao teu encontro; os teus filhos vão chegar de longe e as tuas filhas são trazidas nos braços. Quando o vires ficarás radiante, palpitará e dilatar-se-á o teu coração, pois a ti afluirão os tesouros do mar, a ti virão ter as riquezas das nações. Invadir-te-á uma multidão de camelos, de dromedários de Madiã e Efá. Virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando as glórias do Senhor.Is.60,1-6

 

A dicotomia trevas – luz é recorrente na Sagrada Escritura. Sobretudo nos tempos que focamos. As trevas simbolizam a ausência de Deus, uma humanidade confiada a si própria. Desiludida. Abandonada…A Luz é sempre conotada com a presença de Deus junto do Povo. Do Deus que voltou. Que regressou. Que perdoou. A Luz nos textos bíblicos do Natal é uma constante. Jerusalém é a cidade-luz. Porque recebe a luz de Cristo, Lúmen Gentium, luz das gentes, luz dos povos!

 

Renascer!

Celebrar o Natal é comprometer-se a re-nascer com Jesus! É ensaiar os primeiros passos de Jesus em ordem à transformação deste mundo. Ele é o Mestre do anúncio. De um Mundo novo! De uma humanidade transformada!

Celebrar o Natal é comprometer-se com Ele! A segui-Lo! A anunciá-Lo! A dar a vida por Ele! Se assim não for, a celebração do Natal será mais uma festa sem repercussão nas nossas vidas. Como tantas outras!

Não dispensar o coração!

Há, hoje, um “racionalismo” exagerado! Por racionalismo entende-se tirar o coração a tudo. E, quando se abdica do coração, tudo se apresenta mais (muito) frio! Se calhar, essa frieza ajudou a esvaziar, e de que maneira! os nossos templos! E não só!

O Natal precisa de coração. De amor. De carinho. Com fartura. Mais do que ofertas! De tretas, sem qualquer significado! Apostemos num Natal de coração. Vale a pena! Podem crer!

Uma história pelo Natal.

Nos longínquos anos 50, do século passado, o meu presépio, muito humilde, construído no andar de cima da minha casa, era espaço para se receber as visitas. Os pais e a criançada que vinham brincar connosco, junto do presépio do Menino. Um espetáculo!

Entre as visitas que meu pai apreciava, destacava-se a de um bom músico. Se o era, nunca pude comprovar. Mas que tinha boa voz, lá isso tinha!

*Ouvidor eclesiástico do Nordeste

Meu pai apreciava-o, porque ele era excelente pessoa e, com ele, lá ia cantando. E não desafinava. Ora bem!

Cantavam em latim. Meu pai era muito religioso, como as minhas tias-tiveram dois tios padres- e tudo o que fosse de igreja era bem-vindo.

Minha avó, do lado da minha mãe-igualmente muito religiosa -mas de outra estirpe, nem percebia latim, nem tão pouco de gregoriano, acostumada ao treze e maio e a outras rezas, ficava impaciente com a cantoria que vinha, lá de cima, do presépio. E, como ouvia, muitas vezes, laudemus, provavelmente do “Gloria in excelsis Deo”, batizou o pobre do amigo de meu pai de Laudemus, cismado, porque nunca mais finalizava o cântico. Cismado, pois claro!

É que o Natal também criava as suas histórias! Como esta!

Santas Festas de Natal!

*Que se abram os ceus e as nuvens sobre o justo

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