Senhor Santo Cristo: o amor de Teresa da Anunciada

Por Mons. António Manuel Saldanha

É iminente a saída da imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Daqui a uns poucos dias, o Provedor da sua Irmandade irá bater à porta Regral do Mosteiro da Esperança e quando esta se abrir para mostrar aos açorianos o rosto mais amado da sua história, se entoará o Te Deum e se iniciarão toda uma série de celebrações que para além da Eucaristia, incluirão diversas procissões e a passagem diante da imagem de milhares de fiéis.

Os açorianos terão nestes próximos dias os olhos postos nos do Senhor. Serão dias de intensa emoção religiosa e afetiva. Repetindo os gestos dos seus antepassados, carregados de gratidão ou com inexprimíveis desejos de uma graça a alcançar, porventura por intercessão da Venerável Madre Teresa da Anunciada, milhares de peregrinos darão testemunho da sua fé em Cristo acorrendo ao Santuário onde teve origem o particular culto promovido por aquela religiosa Clarissa morta com fama de santidade. Um culto profundamente ligado ao busto que representa Jesus depois da sua flagelação e tanto quanto se pode imaginar, tal como foi apresentado pelo prefeito romano Pôncio Pilatos à multidão que exigiu a sua crucificação.

Olhares não habituados às expressões da fé não intelectualizada, poderão ter dificuldade em compreender o que afinal é uma genuína manifestação do amor humano. O amor dá sinais de estar a morrer quando tem necessidade de ser verbalizado. Talvez também por isso, o culto ao Senhor Santo Cristo são os gestos e os silêncios que falam, precisamente porque o amor à sua imagem de “ecce homo” está intrinsecamente associado ao mais profundo da alma açoriana.

Com os séculos o culto ao Senhor Santo Cristo consolidou-se e hoje percorre transversalmente toda a sociedade açoriana. Apesar dos aspectos que pedem uma certa purificação, o seu culto esculpiu a identidade religiosa de todo um povo e talvez não será difícil de perceber ali o melhor da fé expressa em ritos, símbolos e linguagem populares.

Nos Açores as maiores festas religiosas estão ligadas a Jesus Cristo e ao Espírito Santo e essa sensibilidade, que nunca fez diminuir o culto à Mãe de Jesus nem ofuscou o culto às dezenas de santos patronos de várias paróquias do arquipélago, é uma raridade no panorama da religiosidade popular.

Provavelmente poderá ajudar a entender o significado das festas que se aproximam e o porquê de um tão expressivo afecto à imagem do Senhor Santo Cristo, o que o nosso Bispo de Angra, Dom Armando Esteves Domingues disse na novena dos espinhos a propósito da Venerável Teresa da Anunciada: «uma jovem apaixonada pelo seu mestre e fidalgo, de amor escondido, que conheceu na escola da sua morte, paixão e ressurreição» e que descobriu que a «loucura da cruz é mais sábia que toda a nossa loucura» uma descoberta que a levou a desenvolver uma autêntica relação de amor «com o Senhor vivo e dorido».

Tal como aconteceu na vida de Madre Teresa que não cristalizou os seus afectos na imagem amada de Cristo, uma vez recolhida a última procissão e fechadas as portas da sua capela, continuaremos a venerar aquele Senhor também quando o acolhermos na pessoa dos mais frágeis e desprotegidos da nossa comunidade.

Penso que o desafio que Dom Armando lançou aos que naquela novena o ouviam falar de Madre Teresa da Anunciada a que cada um se deixe “devorar” pela mesma “loucura” que incendiou o coração daquela religiosa por Cristo, constitui para nós açorianos um forte convite para que continuemos a percorrer os mesmos caminhos de fé que nos deixaram como legado os antepassados, mas com perspetivas sempre atualizadas e sempre como novidade, com o empenho de ir de encontro às múltiplas situações atuais de sofrimento e de pobreza que são outras tantas manifestações do que por nós sofreu há dois mil anos o Homem da coroa de espinhos.

*Monsenhor António Manuel Saldanha é colaborador do Sítio Igreja Açores, desempenhando em Roma, no Vaticano, o lugar de oficial da Congregação para a Causa dos Santos

 

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