Uma chávena de chá

Por Maduro Dias*

Uma chávena de chá é um elemento de cultura e de civilização, um vitral também, mas, se olharmos um bocadinho mais a fundo, eles podem representar duas formas, completamente diferentes, de cooperação, interajuda, amizade, amor, doação.

Uma chávena de chá é um pequeno contentor de porcelana, com água quente, que foi deitada sobre folhas de chá, estas abriram e deixaram sair os sabores concentrados que guardavam. Deitou-se um pouco de açúcar, mexeu-se com a colher e, depois, aos golezinhos, bebe-se.

Sendo verdade que as folhas de chá são uma coisa separada da água, separadas, ambas, do açúcar, que nada têm a ver com a colher, e que, nenhuma destas coisas, tem a ver com a chávena e, muito menos, com o pires, o facto é que, feito o chá, temos algo de novo e diferente, que é mais do que a soma de tudo isto, mais do que a mistura de tudo isto. Uma chávena de chá é uma coisa nova, diferente das outras que existiam antes, sendo que elas, antes tinham, cada uma, a sua própria existência e identidade.

Um vitral também é uma coisa muito bonita. Visto de longe, da distância certa, pode ter cavalos, donzelas ou santos, reis ou Cristos, árvores, folha e flores. Grandes ou pequenos os vitrais encantam os olhos e a mente desde há séculos.

Quando a gente se aproxima percebe o grande trabalho que deu fazer tudo aquilo. Cada bocadinho de vidro da sua cor, com o tamanho certo, encaixado nos vizinhos, resulta no quadro final deslumbrante. Porém o vitral continua feito de vidrinhos coloridos, cada um mantendo a sua cor, identidade e textura, cada um ligado, mas separado dos outros por uma tirinha de chumbo, que os liga, mas que, também, não se mistura com nada á volta.

Em resumo, e comparando, a chávena de chá é algo de novo, que resulta da profunda conjugação de várias coisas, que se juntaram e desaparecem para que outra surja, marcando essa novidade com as suas particularidades, enquanto que, no vitral, tudo resulta bem, em conjunto, mas nada se altera em cada um.

Nada como uma boa crise para levar as pessoas aos limites, mostrando o que são e sentem, de facto. Entre a animalidade e a espiritualidade, a humanidade oscila, facilmente, e atitudes de cooperação, de troca, de partilha, de abnegação, de sacrifício, de compaixão, de doação, chocam-se com atitudes contrárias.

Nada mais natural! Os seres humanos são isto mesmo e assim mesmo. Muitos dos que empunharam ramos pediram a morte de Jesus, poucos dias depois. Aconteceu há dois mil anos e acontecerá no futuro. O caminho ainda é longo…

A comparação entre a chávena de chá e o vitral fica aqui, para que cada um tente ver quantas vezes opta por uma atitude ou outra, na certeza de que os muros e as paredes só dividem. É importante que cada um aceite transformar-se, pelo contacto com o outro, como no chá.

 

*Francisco Maduro Dias é Museólogo e Presidente da Comissão Executiva da Estrutura de Coordenação da Rede de Museus e Coleções Visitáveis dos Açores

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