Uma visita valente

Por Carmo Rodeia


O Papa Francisco vai fazer esta semana uma visita ao Quénia, ao Uganda e à República Centro Africana.
Uma viagem que pode ser alterada a todo o instante por causa das condições de segurança que são cada vez menores. Ainda na sexta feira a “violência sem sentido” para utilizar as próprias palavras do Papa, matou mais 21 pessoas no Mali.
É a sua primeira viagem ao continente Africano e é talvez uma das mais arriscadas.
Em Bangui, na República Centro Africana, desde 2012 que há tiros nas ruas, onde 12 mil capacetes azuis da ONU, nem sempre imparciais, procuram manter a ordem.
A 11ª primeira viagem de Francisco tem sido preparada ao pormenor.
O programa que começa quarta feira no Quénia e termina na capital da República Centro Africana, inclui visitas a paróquias, encontros com comunidades de outras religiões, visitas a campos de refugiados e, como não podia deixar de ser, a bairros pobres.
O jornalista Giulio Albanese, especializado em África diz que se trata de uma “viagem valente”. E tem razão. É uma viagem contra o medo e contra o terror.
Embora estes confrontos não sejam tão mediatizados como os do Estado Islâmico, a verdade é que diariamente há lutas entre fações e etnias, motivadas por variadíssimos interesses e razões, e tranquilidade é coisa que não abunda.
Os confrontos entre os Seleka (muçulmanos) e os Antibalaka (Cristãos); a presença do Al Shabaab ou o genocídio étnico no Uganda, são realidades diárias que as televisões e os media internacionais já esqueceram, mas que permanecem no terreno.
“Peço a todos que rezem por esta viagem, para que seja para todos estes queridos irmãos e também para mim um sinal de proximidade e de amor”, disse Francisco este domingo, pedindo orações para a paz e prosperidade na zona.
E prosseguiu: “A força do reino de Cristo é o amor: por isso, a realeza de Jesus não nos oprime, mas liberta-nos das nossas fraquezas e misérias, encorajando-nos a percorrer o caminho do bem, da reconciliação e do perdão”.
Francisco evoca as “lacerações” e as “feridas demasiadas” da humanidade de hoje, desafiando os católicos a imitar Jesus “com gestos de ternura, de compreensão e de misericórdia”.
Foi nesse sentido também o post deixado por Antoine Leiris, viúvo de Hélène Muyal, vítima dos atentados de Paris. Ao contrário de Francisco não pediu que rezássemos pela mulher mas garantiu-nos que não cederá à cólera nem ao ódio criados pelo terror.
São lições quase impossíveis de seguir. Em África, na Europa ou em qualquer sítio do mundo.
Quando sabemos que em Baga, na Nigéria, foram mortas a sangue frio, no princípio do ano, mais de duas mil pessoas, ou que a violência na Republica Centro Africana já levou mais de 400 mil a campos de refugiados desde janeiro, sempre pelas mesmas razões- o terror, a guerra, o ódio ou o fundamentalismo religioso- é difícil acompanhar estas preces, numa leitura rápida e emotiva.
Mas o que ambos nos propõem é uma abordagem mais inteligente: não sermos manipulados pelo génio perverso do terror, que espicaça uma opinião pública alimentada pela repetição exaustiva de imagens que potenciam a raiva e o desejo de vingança.
A valentia do estado Francês, como frisei, a semana passada recordando as palavras quer de Hollande quer de Valls, quando afirmaram que a França estava em guerra, por si só não vai resolver nada. Como a entrada dos Estados Unidos no Iraque só depôs Saddam Hussein e deixou o país num caos, onde grupos como o Daesh fervilham.
O inconformismo para com aqueles que desprezam a liberdade deve ser total. Mas não pode ser decidido a quente, movido pela sede da vingança.
Se tiver de haver algum tipo de intervenção, que haja. Mas que seja inteligente e racional.

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