Vaticano volta a condenar o aborto e a maternidade de substituição: “Dignidade Infinita” é o novo documento publicado pelo Dicastério da Doutrina da Fé

Documento sublinha necessidade de promover “a inclusão e a participação ativa na vida social e eclesial” de todos, condena o aborto e a legitimidade da maternidade de substituição e esclarece questões relacionadas com a ideologia do género

 

O Dicastério para a Doutrina da Fé reafirmou hoje a condenação do aborto e da maternidade de substituição (vulgo barrigas de aluguer) no documento “Dignidade Infinita” onde as questões da inclusão da deficiência e dos mais frágeis voltam a ser reafirmadas em nome da luta contra uma política de “descarte e indiferença”.

“A Igreja não cessa de recordar que a dignidade de cada ser humano tem um caráter intrínseco e vale desde o momento da sua conceção até a sua morte natural. A afirmação de uma tal dignidade é o pressuposto irrenunciável para a tutela de uma existência pessoal e social”, refere o documento, divulgado pelo Vaticano após cinco anos de trabalho.

“Sobre a base deste valor intocável da vida humana, o magistério eclesial sempre se pronunciou contra o aborto”, acrescenta a declaração, que questiona o que denomina como “terminologia ambígua” sobre o aborto, dando como exemplo a expressão “interrupção da gravidez”, que “tende a esconder sua verdadeira natureza e a atenuar a sua gravidade na opinião pública”.

“Nenhuma palavra consegue mudar a realidade das coisas: o aborto procurado é o assassínio deliberado e direto, seja qual for o modo de sua atuação, de um ser humano na fase inicial da sua existência, compreendida entre a conceção e o nascimento”, pode ler-se no documento.

O organismo do Vaticano liga a defesa da vida nascente à defesa de “qualquer direito humano”.

“Um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em toda fase de seu desenvolvimento. É um fim em si mesmo e jamais um meio para resolver outras dificuldades”, pode ler-se.

A declaração manifesta-se, por outro lado, contra a “maternidade de substituição”, considerando que, nesta prática, a “criança, imensamente digna, torna-se mero objeto”.

“O legítimo desejo de ter um filho não pode ser transformado num ‘direito ao filho’ que não respeita a dignidade deste, como destinatário do dom gratuito da vida”, indica o Vaticano.

O texto cita o Papa Francisco para considerar que se trata de uma situação “deplorável”, que implica a “exploração de uma situação de necessidade material da mãe”.

“Cada criança, desde a conceção, do nascimento e no seu crescimento como menino ou menina, tornando-se adulto, possui uma dignidade intocável que se exprime claramente, ainda que de modo singular e diferenciado, em cada fase da sua vida. A criança tem, pois, o direito, em virtude da sua inalienável dignidade, de ter uma origem plenamente humana e não conduzida artificialmente, e de receber o dom de uma vida que manifeste, ao mesmo tempo, a dignidade de quem a doa e de quem a recebe”, pode ler-se.

declaração sublinha ainda que as chamadas “barrigas de aluguer” são uma violação da “dignidade da mulher”, que se “torna um simples meio, sujeito ao lucro ou ao desejo arbitrário de outro”.

O documento  Dignidade Infinita (‘Dignitas infinita’) aborda a questão da eutanásia e do suicídio, questionando as chamadas “leis da morte digna”.

“A vida humana, mesmo numa condição de dor, é portadora de uma dignidade que deve ser sempre respeitada, que não pode ser perdida e cujo respeito permanece incondicionado. Não existem algumas condições em falta das quais a vida humana deixe de ser dignamente tal e por isso possa ser suprimida”, adverte o texto.

O Vaticano apela a uma aposta nos cuidados paliativos, “evitando qualquer encarniçamento terapêutico ou intervenções desproporcionais”.

Foto: ACI Digital

A nota doutrinal, fruto de cinco anos de trabalho, passa em revista o magistério papal das últimas décadas sobre temas que vão da guerra à pobreza, da violência contra os migrantes à violência contra as mulheres, do aborto à maternidade de substituição e à eutanásia, abordando ainda a ideologia do género e a violência digital. Sobre a questão da ideologia de género, a Igreja recusa uma sociedade “sem diferenças de sexo” que “esvazia a base antropológica da família”.

“A Igreja evidencia os intensos pontos críticos da ideologia do género (gender)”, refere a declaração doutrinal, citando o Papa, que a respeito do 75.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, questionava as “tentativas realizadas nas últimas décadas para introduzir novos direitos”, falando em “colonizações ideológicas”.

“Entre elas, tem um papel central a ideologia do género, extremamente perigosa porque elimina as diferenças na pretensão de tornar todos iguais”, indicava Francisco.

O Vaticano apresenta a vida humana como “dom de Deus, que se deve acolher com gratidão e colocar a serviço do bem”.

“Querer dispor de si, como prescreve a ideologia do género, independentemente desta verdade basilar da vida humana como dom, não significa outra coisa senão ceder à antiquíssima tentação do homem que se faz Deus e entrar em concorrência com o verdadeiro Deus do amor, revelado no Evangelho”, acrescenta o texto.

A Doutrina da Fé destaca o valor da “diferença sexual” entre homem e mulher, apelando ao “respeito pelo próprio corpo e pelo dos outros”, diante da “proliferação dos pretensos novos direitos”.

“É, pois, inaceitável que algumas ideologias deste tipo, que pretendem responder a certas aspirações, por vezes compreensíveis, tentem impor-se como um pensamento único que determine a educação das crianças”, indica o Vaticano.

A declaração doutrinal aborda ainda o tema da mudança de sexo, considerando que qualquer intervenção neste campo se “arrisca a ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu desde o momento da conceção”.

“Isto não significa excluir a possibilidade que uma pessoa portadora de anomalias dos genitais, já evidentes desde o nascimento ou que se manifestem posteriormente, possa decidir receber assistência médica com o fim de resolver tais anomalias”, assinala o documento.

Foto: Vatican News/ACI Digital

Sobre as pessoas com deficiência, o Vaticano defende a “inclusão de todos”.

“A questão da imperfeição humana comporta claras implicações também do ponto de vista sociocultural, já que nalgumas culturas as pessoas com deficiência sofrem de marginalização, senão mesmo de opressão, sendo tratadas como ‘descartáveis’”, refere o documento, intitulado ‘Dignidade infinita’, divulgado pela Santa Sé.

O texto, sobre a dignidade humana, considera que cada sociedade deve estar atenta aos mais favorecidos, rejeitando a “cultura do descarte”.

“É merecedora de especial atenção e solicitude a condição daqueles que se encontram numa situação de défice físico ou psíquico. Tal condição de particular vulnerabilidade, tão relevante nas narrações do Evangelho, interroga-nos universalmente sobre o que significa ser pessoa humana, em particular a partir de um estado de deficiência”, pode ler-se.

“Realmente, cada ser humano, seja qual for a condição de vulnerabilidade em que se venha a encontrar, recebe a sua dignidade pelo próprio facto de ser querido e amado por Deus”, pode ler-se.

A declaração doutrinal apela a uma “inclusão e a participação ativa na vida social e eclesial” de todos aqueles que são “marcados pela fragilidade ou deficiência”.

Na conferência de apresentação do documento, a professora Paola Scarcella, responsável pela Catequese para pessoas com deficiência da comunidade católica de Santo Egídio, alertou para a “cultura do descarte”.

“A presença das pessoas com deficiência é uma provocação a tornar as nossas sociedades mais humanas, inclusivas e acolhedoras”, referiu aos jornalistas.

Para a docente universitária, a Igreja defende todas as vidas são “belas”, convidando a superar a “lógica da eficiência”.

“Mesmo a pessoa com uma deficiência muito grave tem uma dignidade que vem do facto de ser filha de Deus, amada por Ele”, insistiu.

A especialista alertou para o “preconceito” que persiste na sociedade, perante as pessoas com deficiência, desejando a valorização das “potencialidades” destas pessoas.

O título do documento, ‘Dignitas infinita’ (dignidade infinita), é retirado de uma saudação de São João Paulo II, num ângelus junto de pessoas com deficiência na Catedral de Osnabrück, na Alemanha, a 16 de novembro de 1980.

(Com Ecclesia e Vatican News)

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