Dos “cavaleiros dos Rosais” em São Jorge ao “mordomo dos defuntos” na Candelária em São Miguel

A Igreja celebra este domingo a Solenidade de Pentecostes e nos Açores o dia é de festa com impérios em todas as ilhas. Originalmente era uma festa judaica que celebrava a entrega da lei no Monte Sinai, cinquenta dias após a Páscoa judaica, mas no Cristianismo, o Pentecostes ganhou um novo significado, profundamente espiritual: é o dia em que o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos, como um vento impetuoso e línguas de fogo, enchendo-os de coragem, sabedoria e de um novo ardor missionário.
Este culto é a maior devoção açoriana e a marca que liga todos os açorianos independentemente do lugar onde se encontrem. De tal maneira, que o poder político em 1980 decidiu que o Dia da Autonomia, designado Dia dos Açores, fosse celebrado na segunda feira do Espírito Santo, tendo duas partes significativas: uma com distinções a pessoas ou instituições, que se notabilizaram e um segundo momento com uma refeição partilhada, à maneira dos Impérios, que são muitos e diferenciados.
Na Candelária, na ilha de São Miguel, qualquer uma das quatro irmandades- Ascensão, Pentecostes, Trindade e São Pedro- tem entre os protagonistas da festa um “mordomo de defuntos”, uma criança que percorre as casas dos irmãos de cada irmandade a pedir esmola para entregar na Igreja com um pedido de missas por alma dos irmãos defuntos.
Ninguém sabe ao certo como surgiu esta prática, mas o padre Nuno Maiato, que é pároco na Candelária, diz que é uma forma de aproximar toda a comunidade: os vivos e os mortos, em torno da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
O Guilherme Ferreira, com 8 anos de idade, foi “mordomo dos defuntos” há dois.
“Gostei muito. Andei a bater nas portas para ganhar dinheiro para dar na Igreja para depois rezarmos pelos que já morreram” disse ao sítio Igreja Açores com uma convicção inabalável.
“Andei sempre com uma rapariga da minha rua para me ajudar” disse ainda para sublinhar uma prática comum dado que o “mordomo dos defuntos” é sempre uma criança que deve ser orientada. Aliás é essa criança que depois indica que vai ser o mordomo do ano seguinte para durante a semana do império voltar à rua a pedir para os defuntos.
O padre Nuno Maiato afirma que esta tradição liga “muito o império à comunidade e à Igreja. Os jovens assumem o papel principal e isso também é bonito”, refere.
Neste Império da Festa de Pentecostes, na Candelária, Lúcia Ponte fala pelo filho. Ele, é que o mordomo, mas as mulheres são fundamentais na função. São elas que orientam as cozinhas e tratam das pensões. Neste império foram distribuídas cerca de trezentas e vinte pensões. Ao lado da cozinha do Império, onde serão servidas as refeições por estes dias, está o quarto do Espírito Santo, que geralmente é o melhor da casa. Ali reza-se o terço diariamente e cantam-se louvores ao Espírito Santo.

“Receber o Espírito Santo é o principal e depois cada um faz o que entende e da forma que melhor sabe porque honrar o Espirito Santo é isso”, refere Lúcia Ponte.
Mais ao lado nas Feteiras o costume já é outro. Existem três impérios. O da festa de Pentecostes é promovido por uma irmandade que celebra este ano 25 de existência. Nasceu da junção de vários casais, que se aproximaram para que não se perdesse a tradição.
“Não queríamos deixar morrer a tradição dos nossos avós e dos nossos pais. Começámos 5 casais de irmãos; hoje somos 18” refere Irene Cordeiro, uma das fundadoras desta Irmandade que tem estatutos. Aliás como todas as outras o que facilita a relação entre a Igreja e estas associações.
“Reza-se o terço desde o domingo da Páscoa até ao fim dos impérios; todas as semanas faço o sorteio e vou rezar o terço em três casas de cada uma das paróquias que tenho e das pessoas que receberam as domingas. Na altura da festa do império, há sempre um dia que estou presente” refere o padre Nuno Maiato, que além de ser pároco na Candelária é também nas Feteiras e nos Ginetes.
“Estas Irmandades têm um trabalho muito próximo com a Igreja seja na Festa do Santíssimo Sacramento, no Lausperene ou até no grupo coral e no grupo de leitores” refere.
“A ligação à Igreja por parte das irmandades é grande sem nunca coarctar aquela que é a autonomia e a liberdade das irmandades” acrescenta o sacerdote.
“Numa diocese com quase 500 anos ainda pode ser mais trabalhada. Há cada vez mais a vontade das coisas serem como são, do povo. A grande maioria de nós sacerdotes já fez essa descoberta: o Espírito Santo é do povo, dá dons e carismas diferentes e para ser religioso não precisa de ser organizado pela paróquia”, diz ainda.
“Não precisamos estar no centro; Deus é que está e estas festas ajudam-nos muito. A piedade popular é uma espécie de ensaio daquilo que se pretende, seja nos romeiros seja nas festas do Espírito Santo”, conclui.
Na ilha Terceira, o culto do Espírito Santo está documentado desde 1492, e as festas incluem o Imperador, que organiza a festa, a coroação e o almoço.
Elias Borba, natural de São Bartolomeu dos Regatos, é o mordomo da festa do Império de Santa Bárbara no segundo bodo, isto é, no domingo da Trindade.
A sua função é organizar o Império que terá no domingo, na altura da coroação o seu momento mais alto: primeiro na Igreja, para onde são levadas as insígnias; depois a coroação no final da missa e , finalmente, o regresso ao Império, o almoço de sopas e o arraial. As pensões são distribuídas ao longo da semana. Cada Irmão que deu uma esmola recebe uma pensão. Aio contrário do que acontece em São Miguel, as pensões são todas iguais.
“Fazemos o peditório e cada pessoa recebe um cartão independentemente do que deu e depois com esse cartão levanta a esmola que é igual para todos. São mais de 300 no nosso império” refere Elias Borba.
Este domingo em todo o arquipélago sucedem-se os impérios. Segunda-feira, no dia da região, é celebrado igualmente o Espírito Santo com sopas comunitárias no Ramo Grande.
“O nosso coração não consegue explicar o que sentimos por causa do Senhor Espírito Santo”