“A cidade não é para mim”

Gaspar Pimentel, o mais jovem diácono da diocese vai ser ordenado este domingo

Natural do Nordeste, da Achada, tem 24 anos, e vai ser o sacerdote mais novo da diocese de Angra. Há cerca de meio ano no Pico, é lá que irá paroquiar até, pelo menos, ao fim deste ano pastoral. A menos de uma semana da ordenação sacerdotal, fala com a frontalidade sobre a fé, o caminho que percorreu, a necessidade de envolver os jovens na igreja e até das expetativas em relação a um novo episcopado.

Sítio Igreja Açores- Quem é Gaspar Pimentel. Consegue auto definir-se? 

Diácono Gaspar Pimentel- A minha definição vem do sítio onde nasci, onde fui criado, onde esfolei os joelhos… Vem também da minha família. Tudo coisas que não escolhi. Também vem dos conhecimentos que retenho, vem das experiências que tenho. Logo defino-me como alguém de laços. De laços à terra, à família, ao grupo, etc. Também defino-me como alguém inquieto. Inquieto por querer saber mais e melhor. Não me conformo com o “tá bom”. Nunca “tá bom”. Logo sou exigente comigo e trabalho-me muito. Depois sou exigente com os que me rodeiam e dá-me um gozo enorme trabalhar com pessoas para o melhor. Por isso, ao espelho vejo uma mistura de curioso com teimoso, uma mistura de perseverante com inteligente, uma mistura de seco com uma fonte de conhecimento e de experiência que deseja ser bebida.

Sítio Igreja Açores- Está a menos de uma semana de ser ordenado sacerdote. Que pensamentos o invadem? 

Diácono Gaspar Pimentel-Em primeiro lugar é um pensamento de “finalmente”. Ser diácono é muito bom. É muito bom partilhar a Palava de Deus como também o Seu Corpo. Contudo, ser diácono estando ao serviço como estive desde setembro último, é meio difícil, porque nós não podemos consagrar o pão e o vinho em Corpo e Sangue do Senhor, nem podemos canalizar o perdão de Deus nem a sua força para os mais necessitados. Assim, uma comunidade fica manca já que, se a Eucaristia é “fonte e cume” da vida cristã, não havendo eucaristia fica manca. Por isso finalmente! Depois vem à mente que a minha vida vai mudar de novo. Não serei só padre. Serei pároco, serei pastor. É uma responsabilidade grande. Mas, e por último, estou calmo porque se Deus me tem ajudado até agora, não vai parar de me ajudar agora, muito até pelo contrário creio eu.

Sítio Igreja Açores- Como encara o sacerdócio nos dias de hoje, em que a figura do padre, até pela diminuição do número de crentes, está mais fragilizada? 

Diácono Gaspar Pimentel- Não concordo. Falando do que tenho vivido não concordo. Sim há ordinariamente mais lugares disponíveis nas nossas assembleias mas também há mais perguntas. Apesar do aparente deserto de fiéis, estes são mais atentos e perguntam e intervêm, dando uma grande oportunidade para que a figura do padre seja clarificada. E devagar vai-se mostrando que um padre é um homem mas também um instrumento de Deus na terra. Tenho visto que esta oportunidade é mais dada por aqueles e aquelas que por alguma razão deixaram de participar da assembleia celebrante. Estes e estas fazem perguntas acerca do sacerdócio, da sua natureza e da sua finalidade, dando espaço para levar o ambão para a rua e poder trabalhar a terra como um bom lavrador.

Sítio Igreja Açores- Há uma certa tendência para afirmar que hoje, os sacerdotes mais novos são, também, os mais conservadores. Concorda ou tem uma leitura diferente? 

Diácono Gaspar Pimentel- Não concordo nem discordo. Isso depende do que consideramos ser “mais conservador” e ser “menos conservador”. É verdade que ninguém escolhe o sítio onde nasce nem a família que tem, isto é, a educação. Sim educação é uma coisa, formação é outra. E depois há os costumes que se aprende e/ou que nos marcam e os costumes de uma localidade e de outra. Acho conservador quando a MINHA vontade, os MEUS gostos, a MINHA área de conforto, têm que imperar sobre costumes, sobre uma sociedade, sobre uma cultura, esquecendo o bem-comum. Conservador porque estas ideias e ideais são conservadores. E isto serve tanto para a ortodoxia como para a heterodoxia. Porque é como diz a frase feita: “os extremos tocam-se de costas”.

Sítio Igreja Açores- Como é que acha que vai exercer o seu ministério? 

Diácono Gaspar PImentel- Não sei bem ainda. Embora preveja que não será muito diferente do que tenho feito aqui no Pico. Só que terá uma diferença aparentemente pequena, mas é enorme. Serei padre e pároco. Poderei celebrar a eucaristia, a reconciliação e a unção dos doentes. A nível administrativo vamos vendo. Eu, em primeiro lugar, vou aprender com quem já aqui está e vice-versa, depois vamos caminhando. Nos escuteiros aprendi que é bom e benéfico perguntar aos locais tudo o que precisamos saber. Aplicarei o mesmo princípio.

Sítio Igreja Açores- Esteve meio ano diácono na Sé e agora outros tantos meses no Pico. São duas realidades distintas de uma mesma Igreja. Esse tempo deu para perceber em qual dos ambientes se sentirá mais confortável no exercício do seu ministério? 

Diácono Gaspar Pimentel- Antes de mais tenho que fazer uma correção. Eu nunca estive na Sé. Estive em teoria na zona pastoral da cidade da ouvidoria da Terceira. Nesta zona pude partilhar e refletir com os fiéis a Palavra de Deus em todas as paróquias da zona da Sé, onde exercia o meu ministério “puro e duro”, isto é, serviço à mesa do altar e da palavra, mesmo que nunca lá a tenha refletido. Acontece que não fui ensinado a fazer-me de convidado; logo fui às outras paróquias da zona. Nas vezes, que foram algumas, onde não tinha palavra dada com um sacerdote ia à paróquia mais perto, logo à Sé. Depois eu já tinha apreendido a “cidade” porque na minha atividade pastoral proposta no seminário, estive dois anos letivos seguidos na paróquia de Nossa Senhora da Conceição,  na cidade. Nessa altura sabia bem que cidade não é para mim. Mas fui na mesma, com alegria porque era um ambiente muito diferente da minha zona de conforto, e aí poderia aprender o que é a cidade, e munir-me de novas e diferentes ferramentas para ver o mundo, não cedendo à tentação do “homo habitus” que gera umas palas no nosso campo de visão, bloqueando a nossa visão periférica.  Logo o tempo da “Sé” serviu para me inteirar do que faltava, quando estive na Conceição. Agora respondendo diretamente à pergunta: Não deu para perceber, porque já tinha percebido no ano letivo anterior.

Sítio Igreja Açores- Um sacerdote é um pastor, que segundo o Papa Francisco deve cheirar às ovelhas. Considera que será fácil para si este desafio? 

Diácono Gaspar Pimentel- Eu acho que sim. Sou curioso e gosto de aprender coisas novas, costumes novos. Logo não me será difícil isso. Gosto de ouvir os mais velhos. Gosto de observar a realidade e as pessoas. Por exemplo tive pessoas que se aproximaram em setembro da Sagrada Comunhão com as mãos manchadas. Estiveram a vindimar, a por pão na sua mesa e agora estão a receber o pão do céu. Não cheiro as ovelhas mas vejo-as, por isso penso conseguir ganhar este desafio.

Sítio Igreja Açores- Quando e como decidiu ser padre e como é que a sua família reagiu, quando o comunicou? 

Diácono Gaspar Pimentel- Foi em 2004, quando tive os meus 12 anos, que ao ir pela primeira vez na romaria quaresmal, um jovem sacerdote recentemente ordenado que ia connosco, depois das insistentes questões feitas à cerca do Seminário, pergunta-me se não gostava de ir para lá. Eu nunca tinha visto um padre tão novo. Só os conhecia com cabelos brancos até então. Facto é que dias depois este sacerdote vai à Achada confessar e dele recebo o perdão de Deus. Após a absolvição ele pergunta-me se tinha pensado na proposta dele. Não me tinha esquecido e a partir daí aquela pergunta entrou em mim e fui-me questionando.

Os meus pais aceitaram esta minha hipótese porque querem é que nós, os 4 filhos, sejamos felizes. Mais nada. Não tive um tratamento diferente por parte deles só porque gostava de ser padre. Era um filho como os outros quer na hora do lazer como na hora do trabalho. Engraçado é que minha mãe sempre me fez também questionar muito. Mãe é mãe e conhece-nos. Já os meus irmãos, volta e meia, davam uma piada tal como os meus primos e tios. Coisa normal numa família. Brincadeiras uns com os outros. Já os meus avós nunca se prenunciaram muito mas sei que, lá no fundo,  estavam contentes. No dia em que fica certo que vou para o seminário lembro-me bem do meu pai dizer à minha mãe para irmos os dois à vila no dia seguinte comprar roupa de cama para levar para a Terceira e fazer a transferência da escola. Logo nunca tive as asas cortadas. Mas a minha avó materna avisou-me: “juízo rapazim”.

Sítio Igreja Açores- É um jovem, aliás teve de esperar meio ano para ser ordenado por causa da idade, isso não lhe tira o sono: saber que é tão novo para exercer um ministério de tanta responsabilidade? 

Diácono Gaspar Pimentel- A bem da verdade convém dizer-se que esperei ter a idade de 24 anos, que é aquela em que o bispo diocesano pode proceder à dispensa da idade canónica, que são 25 anos. Mas,  isso não me tira o sono já que como estive durante um ano e um mês como diácono e desde setembro a trabalhar mais concretamente e já assumindo algumas responsabilidades, tudo serviu para ganhar experiência, conhecimentos que não se decoram nas carteiras do seminário. Foi tempo para ganhar calo. Estão feitos? Não. Vão se fazendo. Mas como já comecei, quando assumir maiores responsabilidades, vai doer menos. Depois não me tira o sono porque tenho colegas mais velhos a quem posso recorrer para uma opinião. E claro conto com a ajuda de Deus!

Sítio Igreja Açores- O que é que acha que lhe vai tirar verdadeiramente o sono? 

Diácono Gaspar Pimentel- Uma palavra ou ação minha que possa ter magoado alguém quer no seu ânimo quer na sua fé.

Sítio Igreja Açores- Vivemos num mundo onde a fé está reconfigurada no espaço e no modo. Entre os jovens há um problema sério neste domínio. Que contributo espera e acha que pode dar para melhorar, pelo menos na diocese de Angra, esta situação? 

Diácono Gaspar Pimentel- Nas televisões vemos que é importante comer vegetais, mas muitos jovens e adultos não se interessam por eles. Daí  que se  dedique muito tempo a torna-los mais apelativos, sem deixar de os ingerir. O grande desafio com os jovens de hoje é fazê-los “comer” a fé, Deus, Jesus Cristo, a assembleia. Não é de todo chegar à malta nova. Agora é mais trabalhoso e recompensante chegar, expor, alimentar, sem nunca comprometer o que é importante. É fácil dar algo com sabor a fé, já não é dar fé com sabor a algo, e este algo entenda-se vida. Por isso,  mais que um problema, acho que é um desafio. A pastoral juvenil é para formar adultos na fé, isto é, discípulos. Jesus foi buscar os seus discípulos aos seus contextos de vida. Então, espero contribuir para que se ouça os jovens, perguntar-lhes onde sentem que precisam de crescer. Os nossos jovens pensam. Espero dar espaço para que eles falem. Depois, tal como Jesus, transmitir a Boa Nova tal como ela é.

Sítio Igreja Açores- Sendo jovem admito que gostasse de trabalhar na pastoral juvenil, porque entende melhor as preocupações da sua geração. Como encara este desafio? 

Diácono Gaspar PImentel- Vendeu-se à minha geração que todos nós podíamos ser alguém, se tivéssemos um “canudo”. Não é bem assim vemos agora. Ela está desiludida com tudo e fora do processo de escolha,  já que escolhem por ela. Logo ela está fora das decisões sociais e paroquiais. O desafio é trazê-la para o círculo do debate de ideias sob o mesmo ideal, fazer ver que os nossos jovens têm lugar nesta Igreja, que se quer plural de ideias. Os jovens de hoje serão os adultos de amanhã. Por isso, o desafio é investir neles. Semear para crescer e depois saciar. Sabe-se isto estando com esta geração que não está perdida, nem está trabalhada. Vejo que falta o depois. Recebe-se o sacramento da confirmação, e depois? Participa-se num retiro promovido por um movimento, e depois? Falo do que vejo e do que muitas vezes eu próprio senti na Terceira. Tive a alegria de participar nos Esquemas da Mensagem de Fátima. Estive com jovens com um potencial enorme. E depois do esquema? Espero ser capaz de proporcionar isto, que haja uma continuação.

Sítio Igreja Açores- Que preocupações tem no seu dia-a-dia? 

Diácono Gaspar PImentel- Tenho três preocupações básicas: dormir bem, comer bem e rezar bem. Isto tem sido um princípio que tenho seguido. Depois, estando eu bem, posso ouvir bem, que é uma preocupação que tenho. Neste seguimento vem outra preocupação que é falar bem, não muito, mas o necessário e o importante. Há tanto barulho, que eu não seja mais um a fazer barulho, uma vez que Deus, manifesta-se é no silêncio, na brisa suave. E esta é outra preocupação que tenho, a de fazer com que Deus se manifeste a cada e em cada pessoa.

Sítio Igreja Açores- Como é a sua relação com os outros, concretamente com a família chegada? 

Diácono Gaspar Pimentel- É muito boa! Da minha parte sempre foi assim e sempre tive essa diligência. Deram e dão-me tanto que tenho a obrigação e o gozo de ter uma boa relação, de ser bom filho, irmão, primo, sobrinho, neto e afilhado.

Sítio Igreja Açores-  A diocese vive um novo contexto que há de ser ditado pela chegada de um novo bispo, que em breve liderará a diocese. Que expectativas tem? 

Diácono Gaspar Pimentel- Por agora são poucas as expectativas. Tenho apenas expetativa que a diocese seja mais diocesana, isto é, seja espaço de valorização daquilo que é seu, daquilo que lhe é específico, característico, único, e assim ajudando a construir a unidade e não a uniformidade ,onde cai o “homo habitus”.

Sítio Igreja Açores- O que anda a ler? 

Diácono Gaspar Pimentel- Agora estou a ler “Fazes-me Falta”, de Inês Pedrosa.

 

 

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