“A Diocese precisa de apóstolos”

A ideia é do Pe Domingos Machado, o sacerdote mais velho da Diocese dos Açores, na semana em que assinala 479 de existência

O Sítio Igreja Açores foi em busca de uma história de vida no dia em que a Diocese completa 479 anos de história.Domingos Machado (DM) tem 91 anos e foi ordenado padre há quase 70 anos. Natural de Rabo de Peixe, passa os dias com a irmã e a empregada, em Ponta Delgada. Não dispensa a sua missa diária que celebra numa capela improvisada ao lado da casa.

Sítio Igreja Açores (IA)- Como vê a presença da Igreja hoje nos Açores?

Pe.Domingos Machado (Pe DM)- A Igreja como Igreja é sempre a mesma. Mas está fraca, com muito pouco clero. No meu tempo, havia mais gente no seminário e havia sempre ordenações. As turmas eram compridas e tinham muitos alunos. Acresce que, uma grande parte das pessoas põe em causa a igreja, não a aceita. Há cada vez menos cristãos, gente disponível para se comprometer com os desígnios da Igreja e isso prejudica a sua aceitação. Poucos sãos os que se querem comprometer e envolver concretamente quer no que respeita à estrutura quer no que respeita às ações. Mas isso também tem a ver com a evolução da sociedade.

 

IA-É pastor de uma comunidade e quando optou pelo sacerdócio entregou-se a uma “causa”. Que dificuldades sente no dia a dia?

Pe DM- As dificuldades de hoje devem ser as mesmas que eu tive antes. A formação é a mesma e por isso as dificuldades também devem ser as mesmas. Com uma diferença que é grande: os padres hoje têm paróquias vazias. Há cada vez menos gente. Lembro-me quando fui ao funeral do meu primo Padre Virginio na Algarvia. Fiquei chocado quando só vi meia dúzia de pessoas na igreja. E, desabafei com uma prima, a lamentar que um homem que tinha feito tanto pela freguesia tivesse tão pouco reconhecimento público. E, na altura ela assegurou que estava toda a gente. Só que toda a gente significava meia dúzia de pessoas porque a freguesia tinha perdido muitos habitantes. Por isso, essa é, de facto, a grande dificuldade. Falta de gente. E, depois isso sente-se na vida da paróquia. Já senti isso na última paróquia em que estive há 20 anos, no Livramento.

 

IA- Como é que vê o papel do sacerdote na sociedade atual?

Pe DM- O mesmo de sempre. Ser um pastor. Só que hoje tem menos ovelhas.

 

IA-A sociedade mudou muito. A exigência das pessoas é maior o que exige também um maior profissionalismo dos sacerdotes. Concorda com esta visão?

Pe DM– Sim e não…Ontem, como hoje, o padre é alguém que tem de estar próximo e ser o exemplo. É só isso. Eu tenho muitas saudades de todas as paróquias por onde passei. E há coisas tremendas que lembro todos os dias e que mostram bem o que é o papel de um padre. Eu estava na Algarvia quando caiu o avião da Air France, no Pico da Vara. Desloquei-me ao local e vi os corpos destroçados, que vieram depois para a Igreja porque era o sítio maior com mais espaço.

Recebemos famílias, consolámos a população local e forasteira. Foi uma tragédia mas que requereu muito trabalho da igreja.

Hoje não lhe posso dar uma resposta muito certa. Há muito tempo que estou fechado em casa e não estou contato com as pessoas mas admito que seja muito mais difícil para os meus colegas.

 

IA- O Papa Francisco pede aos cristãos, em particular aos sacerdotes, que não fiquem no templo à espera de clientes e façam “da rua grandes assembleias”. O tempo mudou. Há muita gente que se diz católica mas que não vai à missa ou não se compromete com nenhuma ação em concreto.  Que passos devem ser dados para evitar que aconteça no arquipélago o mesmo que tem acontecido noutros lugares?

Pe DM- Isso já se fazia no meu tempo e eu estou plenamente de acordo. Fiz muitas amizades em todas as paróquias onde estive porque eu, e os meus colegas, andávamos sempre de um lado para o outro para falar com as pessoas, conhecer os seus problemas, ajuda-los a encontrar  um caminho. Hoje, se calhar, isso ainda é uma necessidade maior, porque as pessoas estão muito ausentes.

 

 

IA- A Diocese celebra no domingo 479 anos. Que desafios tem pela frente?

Pe DM- Estimular a vocação sacerdotal e fazer com que cada padre esteja efetivamente comprometido com a sua paróquia. Um amigo meu disse-me outro dia que o mesmo padre serve três paróquias. Não pode ser. Fica sem tempo, por mais que se desdobre. A diocese tem de olhar para isso.

 

IA- São sacerdotes de gerações diferentes. Um ordenou-se há mais de cinquenta anos. O outro há 4 meses. Nunca se arrependeram por um instante da escolha que fizeram?

Pe DM- Não, que me lembro não. Nem nunca me senti sozinho ou senti que tivesse de abdicar de alguma coisa.

 

IA-Que mensagem deixa aos açorianos neste dia de aniversário da Diocese?

Pe DM- Que sejam mais cristãos e, sobretudo, que sejam apóstolos. Porque há muita gente que não é cristã e que precisa de ser informada do que é ser igreja. O apostolado é o grande desafio da Diocese. Sempre foi e continua a ser.

 

(Entrevista publicada a 3 de novembro de 2013)

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