“A Diocese precisa de apóstolos”

A ideia é do Pe Domingos Machado, o sacerdote mais velho da Diocese dos Açores, na semana em que assinala 479 de existência.

O Portal da Diocese foi em busca de duas histórias de vida, duas maneiras de ver o sacerdócio e que fazem a história desta Diocese, criada em 1534. Domingos Machado (DM) tem 91 anos e foi ordenado padre há quase 70 anos. Natural de Rabo de Peixe, passa os dias com a irmã e a empregada, em Ponta Delgada. Não dispensa a sua missa diária que celebra numa capela improvisada ao lado da casa.

Miguel Tavares(MT) foi ordenado padre este verão e está a paroquiar nos Remédios e Ajuda da Bretanha, na costa norte de São Miguel. É natural das Furnas e vê o sacerdócio como um serviço para ajudar os outros.

 

Portal da Diocese ((PD)- Como vê a presença da Igreja hoje nos Açores?

 

Pe.Domingos Machado (Pe DM)– A Igreja como Igreja é sempre a mesma. Mas está fraca, com muito pouco clero. No meu tempo, havia mais gente no seminário e havia sempre ordenações. As turmas eram compridas e tinham muitos alunos. Acresce que, uma grande parte das pessoas põe em causa a igreja, não a aceita. Há cada vez menos cristãos, gente disponível para se comprometer com os desígnios da Igreja e isso prejudica a sua aceitação. Poucos sãos os que se querem comprometer e envolver concretamente quer no que respeita à estrutura quer no que respeita às ações. Mas isso também tem a ver com a evolução da sociedade.

Pe Miguel Tavares (Pe MT)- A nossa Igreja açoriana é constituída por nove “diferentes” realidades e “formas” de viver a fé. Contudo, sinto uma certa indiferença de um número considerável de pessoas. Talvez por “culpa” própria. Talvez falte um “plano” concreto que vá de encontro aos reais anseios das pessoas, à vida das pessoas. É o que penso, mas isto ainda é tudo novidade para mim. A Igreja tem que dar respostas aos problemas das pessoas e a partir daí dar a conhecer Cristo, como aquele que pode curar a ferida que está aberta no nosso coração.

 

PD-É pastor de uma comunidade e quando optou pelo sacerdócio entregou-se a uma “causa”. Que dificuldades sente no dia a dia?

 

Pe DM– As dificuldades de hoje devem ser as mesmas que eu tive antes. A formação é a mesma e por isso as dificuldades também devem ser as mesmas. Com uma diferença que é grande: os padres hoje têm paróquias vazias. Há cada vez menos gente. Lembro-me quando fui ao funeral do meu primo Padre Virginio na Algarvia. Fiquei chocado quando só vi meia dúzia de pessoas na igreja. E, desabafei com uma prima, a lamentar que um homem que tinha feito tanto pela freguesia tivesse tão pouco reconhecimento público. E, na altura ela assegurou que estava toda a gente. Só que toda a gente significava meia dúzia de pessoas porque a freguesia tinha perdido muitos habitantes. Por isso, essa é, de facto, a grande dificuldade. Falta de gente. E, depois isso sente-se na vida da paróquia. Já senti isso na última paróquia em que estive há 20 anos, no Livramento.

Pe MT – Ainda é tudo novo para mim, como já referi. Estou a conhecer as pessoas, a tentar ir ao seu encontro. Compreender as suas “alegrias e tristezas” e participar das suas vidas. Mas isso não é fácil e reconheço que me falta experiência. A solidão também não é “saborosa” e a fragilidade, pecados e receios são muitos. No entanto, o amor de Deus é maior.

 

PD- Como é que vê o papel do sacerdote na sociedade atual?

 

Pe DM- O mesmo de sempre. Ser um pastor. Só que hoje tem menos ovelhas.

Pe MT- Como um amigo, um companheiro de jornada. Um homem para os outros.

 

PD-A sociedade mudou muito. A exigência das pessoas é maior o que exige também um maior profissionalismo dos sacerdotes. Concorda com esta visão?

 

Pe DM- Sim e não…Ontem, como hoje, o padre é alguém que tem de estar próximo e ser o exemplo. É só isso. Eu tenho muitas saudades de todas as paróquias por onde passei. E há coisas tremendas que lembro todos os dias e que mostram bem o que é o papel de um padre. Eu estava na Algarvia quando caiu o avião da Air France, no Pico da Vara. Desloquei-me ao local e vi os corpos destroçados, que vieram depois para a Igreja porque era o sítio maior com mais espaço.

Recebemos famílias, consolámos a população local e forasteira. Foi uma tragédia mas que requereu muito trabalho da igreja.

Hoje não lhe posso dar uma resposta muito certa. Há muito tempo que estou fechado em casa e não estou contato com as pessoas mas admito que seja muito mais difícil para os meus colegas.

Pe MT- Não. Exige um grande coração e muita humildade. É isso que as pessoas esperam de um padre. No fundo, ser pastor.

 

PD- O Papa Francisco pede aos cristãos, em particular aos sacerdotes, que não fiquem no templo à espera de clientes e façam “da rua grandes assembleias”. O tempo mudou. Há muita gente que se diz católica mas que não vai à missa ou não se compromete com nenhuma ação em concreto.  Que passos devem ser dados para evitar que aconteça no arquipélago o mesmo que tem acontecido noutros lugares?

 

Pe DM– Isso já se fazia no meu tempo e eu estou plenamente de acordo. Fiz muitas amizades em todas as paróquias onde estive porque eu, e os meus colegas, andávamos sempre de um lado para o outro para falar com as pessoas, conhecer os seus problemas, ajudá-los a encontrar  um caminho. Hoje, se calhar, isso ainda é uma necessidade maior, porque as pessoas estão muito ausentes.

Pe MT– Só há um caminho a seguir, anunciar Jesus Cristo. Quem O conhecer nunca mais vai o querer perder, independentemente de tudo.

 

 

PD- A Diocese celebra no domingo 479 anos. Que desafios tem pela frente?

 

Pe DM- Estimular a vocação sacerdotal e fazer com que cada padre esteja efetivamente comprometido com a sua paróquia. Um amigo meu disse-me outro dia que o mesmo padre serve três paróquias. Não pode ser. Fica sem tempo, por mais que se desdobre. A diocese tem de olhar para isso.

Pe MT– Ser mais una, descobrindo a sua riqueza na diversidade. Continuar a percorrer o “caminho” da conversão. Renovar-se em Cristo. Caminhar em fraternidade e caridade, acredito.

 

PD- São sacerdotes de gerações diferentes. Um ordenou-se há mais de cinquenta anos. O outro há 4 meses. Nunca se arrependeram por um instante da escolha que fizeram?

 

Pe DM– Não, que me lembro não. Nem nunca me senti sozinho ou senti que tivesse de abdicar de alguma coisa.

Pe MT– As nossas escolhas são feitas no meio da nossa fragilidade. O importante é descobrir, todos os dias, a vontade de Deus a nosso respeito e seguir em frente.

 

PD-Que mensagem deixa aos açorianos neste dia de aniversário da Diocese?

 

Pe DM– Que sejam mais cristãos e, sobretudo, que sejam apóstolos. Porque há muita gente que não é cristã e que precisa de ser informada do que é ser igreja. O apostolado é o grande desafio da Diocese. Sempre foi e continua a ser.

Pe MT– Independentemente do momento atual, embora tudo indique o contrário, o tempo é de esperança. A nossa esperança é Cristo. É tempo de darmos as mãos e deixarmos cair barreiras e egoísmos. Cristo veio salvar este mundo e não condena-lo.

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