A Mãe! de Aronofsky

Pelo Pe. Teodoro Medeiros

O cinema de autor segue as suas próprias regras; são realizadores que não se dobram à vontade de ninguém e seguem as suas próprias intuições. Como seria de esperar, os filmes que daí resultam não costumam agradar a todos os gostos e as reacções são imprevisíveis.

Darren Aronofsky nunca hesitou; as áreas mais recônditas e tenebrosas da alma humana precisam de ser arrastadas para a praça pública. Foi assim em “A vida não é um sonho”, “O Wrestler”, “o Cisne Negro” e até, vá lá, o estranho épico bíblico “Noé”. Ou seja, passa-se sempre algo de estranho com as pessoas.

O seu “Mãe!”, datado de 2017, confirma parte destas observações: é um filme que choca os desavisados, não segue padrões definidos (é um drama? É um thriller? É um filme de terror? É uma obra conceptual?) e discorre em tantas abstrações que ninguém o pode ler à letra.

A história é simples: um casal vive numa casa recôndita; ele é escritor, ela recuperou a casa de um grande incêndio e ama o seu marido; ele atravessa uma fase de pouca inspiração; começa a convidar estranhos para a casa sem ter em conta a sensibilidade da esposa.

Começam aí os problemas: a casa tem mistérios sobrenaturais, os convidados perturbam a paz doméstica e de que maneira, o marido parece outro e, quando o desejado bebé nasce, por pouco não acaba o mundo. Disto consiste esta reflexão sobre a história da humanidade… seguindo não menos que a Bíblia.

As conclusões teológicas de Arronofsky não são simples passerelle de argumentos em favor do Ateísmo: são uma dramatização caricatural da história de Deus com os homens. Se as reticências sobre o divino já se viam em “Noé”, aqui passam a manifesto; não fica pedra sobre pedra.

Não é razão para se dar o filme por perdido: afinal, a liberdade de expressão é um valor cada vez mais necessário. E não é o cinema a fábrica de sonhos? Se alguém quiser sonhar um mundo sem Deus, porque razão há-de coibir-se de o fazer? Para agradar assim a um grupo a que não pertence?

Parece, aliás, mais correto que os crentes aceitem que existem outras opiniões e deixem seguir o barco. Para os efeitos da presente crónica, a necessidade é outra de resto: aferir da qualidade da obra em questão, definir critérios objetivos que ajudem os leitores a fazer uma escolha estética (vale ou não apena ver?).

“Mãe!” dirige-se à faixa etária pré-maturidade; o uso dos truques sonoros para assustar os distraídos e os adormecidos não deixa dúvidas (a noção de que filmar alguém pelas costas produz medo não é falsa mas convém não abusar). O filme não é filosófico; não tem um sistema de ideias organizadas a propor… mas esse defeito só o torna mais acessível para as massas.

O verdadeiro problema que o filme cria a si próprio é outro: embrenha-se tanto no querer falar num segundo plano que tudo se torna ridículo no primeiro plano. É uma história sem sentido e… não é agradável. É como ver um toiro na praça que destrói tudo o que lhe põem diante mas não faz nada que fique no olho.

Que o diga a atriz Jennifer Lawrence: um filme inteiro em que simula sem cessar suspiros pesados, surpresas desagradáveis, horror e asco, pasmo e solidão existencial, incompreensão e angústia aos níveis de uma tortura, uma catadupa de campos de batalha, entre projéteis e soldados, fugas que se revelam traiçoeiras… e um relativo canibalismo, se assim se pode dizer.

É um filme autotélico: tem-se a si mesmo como o grande fim a atingir e sacrifica tudo e todos, como um estudante que cabula mas denuncia os outros. Poderia ter feito sensação entre a massa estudantil mais crítica… poderia ter sido tema de conversa dos que gostam de questionar ideias estabelecidas.

Preferiu deixar-se consumir pelo fogo que devia ser o seu fulgor.

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