A metáfora de um povo

Por Carmo Rodeia

Alguma vez seremos capazes de encontrar um antídoto eficaz contra a guerra? O repto deixado por Nossa Senhora há quase cem anos em Fátima, oferece-nos o caminho da oração como capaz de converter a natureza humana, tão belicista quanto impiedosamente cruel.

A pergunta, com que inicio este meu Entrelinhas, é apenas retórica. Hoje como o seria há cem anos quando a mensagem foi deixada.

O papa Francisco diz-nos amiúde que vivemos uma terceira guerra mundial em episódios, alguns deles com uma longevidade incompreensível.

Na Síria, mais concretamente na cidade de Alepo, a segunda maior do país e cidade Património Mundial da Unesco, há cinco anos que a palavra guerra é um estado de vida  que por seu lado, passou a ser um eufemismo para designar uma luta pela sobrevivência, entrincheirada entre duas fações- uma de estado e outra de guerrilheiros- que se confrontam sem dó nem piedade como verdadeiros bulldozers da dignidade humana.

A Síria é hoje o palco de uma guerra onde se confrontam há tempo demais, demasiados e variados interesses e poderes, sem que consigamos perceber de que lado está a razão.

Na geopolítica mundial- expressão útil da máxima hipocrisia dos que sacrificam vidas em função de interesses-  vemos as hesitações dos EUA, que ora criticam a intervenção Russa no apoio a Dashar al Assad, ora colaboram com os russos no combate ao Estado Islâmico, baralhando-nos quanto à essência deste conflito, que é uma batalha sanguinária de um estado autoritário, envolvido numa guerra pelo poder,  onde entram milícias do Hezbollah, grupos terroristas, dissidentes da al-Qaeda, milícias curdas e outros grupos apoiados pelo Ocidente com os EUA à cabeça.

Esta semana o mundo interrompeu a sua indiferença para se render a uma imagem: uma criança de cinco anos, cheia de pó e ensanguentada, depois de ser salva por uma equipa de paramédicos, após mais uma explosão em Alepo, olha de frente para a câmara, passa a mão pela cara com o ar alheado e sem perceber o que aconteceu e limpa-a nos estofos do banco.

O olhar perdido no infinito de Omran Daqneesh, de cinco anos, é um olhar inocentemente acusador. Verbaliza mesmo em silêncio o horror da guerra. Uns breves segundos que chocam quem os vê e resumem a tragédia Síria, há cinco anos em guerra civil.

Nele se escondem também os olhares infinitos de milhares de crianças cujo rosto nunca chegamos a ver porque não tiveram a sorte de serem colocadas numa ambulância e serem salvas.

A sensibilidade com que olhámos para esta imagem não chega para rasgar a banalização do sofrimento que a guerra provoca a milhões e milhões de pessoas como nós, numa espécie de labirinto sem ponta à vista. Seria preciso mais, muito mais. Sobretudo da vontade dos homens.

Olhando e revendo esta imagem lembrei-me do salmo 22, no qual Jesus grita a partir da Cruz: “Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?”

O pequeno Omran não conhecerá este Salmo nem sequer deverá ter pensado em Deus, que não deve conhecer e muito menos se atreveu a questioná-lo. Porque simplesmente os homens, que ele não conhece também, lhe retiraram a infância. Com cinco anos apenas é um veterano de guerra. Algum dia viverá em paz? Continuemos a rezar…

 

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