Bispo quer Igreja açoriana “fraterna e ativa” para oferecer esperança a uma sociedade “azeda e desconfiada” onde os radicalismos esmagam o diálogo

Foto Igreja Açores/EM

De olhos postos nos jovens, D. Armando Esteves Domingues pede à diocese para avançar junta na sementeira da esperança: “Todos, todos, todos! Contamos todos, caminhemos com todos, sejamos esperança para todos!”

O bispo de Angra, retido pelo mau tempo em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, não pôde presidir à celebração em que foi apresentado o novo Itinerário Pastoral 2023-2025, simbolicamente agendado para a Solenidade de Cristo-Rei do Universo e dia Mundial da Juventude na Sé, mas na homilia que foi lida deixou bem claro que deseja uma diocese “de ação, capaz de levar esperança a todos os ambientes onde os homens e mulheres vivem, trabalham e sofrem”.

Na homilia, que foi lida pelo Vigário Episcopal para o Clero e para a Formação, padre José Júlio Rocha, que também presidiu à celebração na Catedral, D. Armando Esteves Domingues começou por invocar o simbolismo deste dia que na tradição católica em Portugal foi, durante décadas, marcado pela renovação do compromisso laical da acção católica, como sinal de uma igreja viva.

“Assim, quero começar por saudar todos os homens e mulheres do território dos Açores que, investidos em cargos de responsabilidade e autoridade, dão o seu melhor para a construção deste Reino de justiça e paz” e  “todos os leigos que vivem a sua participação laical também nos órgãos eclesiais que, aqui ou nas eucaristias pelas 9 ilhas do arquipélago, `acertam o passo´ para avançarmos juntos na sementeira da esperança”.

“Contamos todos, caminhemos com todos, sejamos esperança para todos!” pode ler-se no no texto da homilia.  A começar pelos jovens, escreve o prelado diocesano, sublinhando que a Igreja e a sociedade precisam de fomentar espaços de participação e renovação que permitam o protagonismo dos mais novos.

Venham, caros jovens, caminhemos todos, todos, todos, caminhemos na esperança” disse ao lembrar aos mais velhos que precisam “fazer tudo para que que eles vejam, mesmo que não possam ou queiram, que os seus lugares estão livres, sintam que são importantes e necessários com as suas ideias, a sua forma espontânea de criar amizades, de ser criativos, de desenvolver sonhos e desbravar caminhos novos. Peçamos-lhes ajuda para sonhar esta Igreja sinodal de que temos necessidade.”

“A eles e a todos os açorianos quero pedir que procurem escutar e dialogar para interiorizar o sentido das linhas programáticas do nosso Itinerário Pastoral para a diocese, centrado na esperança”, interpelou, referindo-se a uma necessidade de construir de novo, aconselhando a fazer um “reset” que regresse a Jesus e O tenha no centro.

“Assim, como o ciclo litúrgico que hoje termina vê nascer um novo, peço ao nosso Bom Jesus, Rei do Universo, que nos assista com o Seu Espírito Santo para este novo início”, pode ler-se.

Foto Igreja Açores/EM

A partir da liturgia deste domingo de Cristo Rei, que nos apresenta a humanidade como a única causa de Deus, onde todos contam, sobretudo os mais frágeis, D. Armando Esteves Domingues referiu-se ao Itinerário Pastoral proposto para o próximo biénio- 2023/2025- como um tempo de “laboratórios onde as vidas de homens e mulheres, jovens e crianças se juntam para construir a unidade, onde se combinam os diversos dons ou talentos para encontrar os caminhos novos do Reino”.

“O Itinerário não é nenhum Plano cheio de diretrizes, de estruturas e iniciativas novas. Vai na linha do que está a viver a Igreja inteira neste tempo de Sínodo e no exercício de uma sinodalidade que seja constitutiva do nosso ser Igreja”.

Os laboratórios previstos- Sinodalidade, fraternidade e esperança- são “lugares onde se experimentam futuras transformações, onde se trabalha com vista à inovação”, afirma.

“ Em cada um desses ´laboratórios´ queremos que nasçam homens novos para habitarem o futuro, o lugar dos desafios novos, também na evangelização”.

“Não queremos uma evangelização ´dirigida aos outros´, mas feita `com cada um, escutando-os com amizade, aceitando-os, envolvendo-os e caminhando juntos ao sabor do Espírito”, pode ler-se na homilia, onde fica um convite direto à unidade na diversidade.

“Entremos todos nestes laboratórios que são todas as nossas formas de estar juntos, a começar pelas famílias, que são ou devem ser os primeiros e melhores laboratórios de sinodalidade, onde se dialoga e escuta com amor, onde a felicidade de um está no bem do outro. Isto deve acontecer nos nossos laboratórios de pastoral organizada, nos diversos conselhos ou grupos de ação, sempre na busca de uma fraternidade a crescer e que traga esperança”, escreve D. Armando Esteves Domingues.

Diante de uma sociedade que caracteriza como “azeda e desconfiada, onde o diálogo parece cada vez mais difícil e onde nascem posições extremistas e tendências políticas igualmente radicalizadas” o prelado exorta a Igreja que lidera a não se deixar influenciar pela “ intolerância, a impaciência e a luta de palavras, quando não, guerras pela busca despudorada de poder e glória”.

“ `Todos, todos, todos: caminhar na esperança´ é um lema que não deixa dúvidas. Não caminhamos sós , mas precisamos levar esta esperança mesmo a todos, estar disponíveis a caminhar com todos sem exceção e a fazer equipa com qualquer homem ou mulher de boa vontade, mesmo afastados da Igreja ou não crentes. Precisamos escutá-los!”.

O bispo de Angra refere, por outro lado, que esta escuta pressupõe consideração e cuidado. Por isso, exorta os diocesanos a olhar para as misérias do mundo.

“Sempre que um cristão desvia o olhar dum pobre, também se distancia do Evangelho”, afirma.
“A pobreza é um escândalo. Não pode existir comunidade cristã sem diaconia, isto é, serviço de caridade”.

Este dia deve ajudar-nos a perder aquela sensação de doença que atingiu muitos cristãos e que os fecha, pensando não ser relevante”, afirma ainda no texto.

“A sociedade precisa de uma Igreja rica de humanidade, as 24 horas do dia e não como funcionário com horário de atendimento” disse ainda depois de expressar algum pesar pelo facto de, nalguns contextos, sobretudo de ação social a igreja ainda ser olhada como uma instituição pouco fiável.

“Será que a nossa vasta rede de comunidades, Instituições sociais, grupos juvenis, movimentos, presentes em todos os ambientes, já não são capazes de acolher, ser inclusivos e integrar, de ajudar a promover respeitando? As obras comprovam que se faz já muito e que as instituições são imprescindíveis, mas é, sem dúvida, um lamento e um alerta que nos dói.”, confessou.

 

Foto Igreja Açores/EM

A celebração na Catedral começou com a participação de um leigo que contextualizou não só a celebração do ponto de vista litúrgico como expressou o sinal de compromisso do laicado açoriano .

“É neste clima de uma Igreja que serve, que acolhe, que abraça e que escuta, uma Igreja próxima e sinodal, à medida do Papa Francisco, que a Diocese de Angra, neste dia 26 de Novembro, apresenta aos seus fiéis o Itinerário Diocesano de Pastoral”, começou por dizer Afonso Silveira.

“Não trazemos nada de novo, a não ser ouvidos para ouvir, pés para caminhar juntos, braços para acolher, mãos para as pôr à obra” disse ainda, repetindo uma ideia transversal ao Itinerário: “estes dois anos serão o tempo de fermentação da vida diocesana”.

A dignificação do laicado “é uma das prioridades”.

“Não é possível adiar mais o lugar secundário dos leigos na Igreja. Já não há lugar para o clericalismo: ou caminhamos juntos em sinodalidade ou tudo não passará de um mudar tudo para tudo ficar na mesma.”

Já esta tarde, o Vigário Episcopal para o Clero e Formação tinha dado o mote. Em declarações aos jornalistas, à margem das comemorações do Dia Mundial da Juventude, o padre José Júlio Rocha tinha lembrado que o Itinerário Pastoral Diocesano tinham como meta “facilitar o encontro das pessoas com Jesus”, que “se revela nas pequenas coisas e nos pequenos gestos”, recordando esse último gesto antes da sua Paixão e morte, em que sabendo que Deus lhe tinha dado todo o poder colocou uma toalha à cintura e lavou os pés aos discípulos.

“Assim é todo o poder e toda a glória da Igreja”, enfatizou o padre José Júlio Rocha.
“Muitas vezes parece que a Igreja pode ser uma elite, um clube; quando dizemos todos, todos, todos queremos justamente dizer que a Igreja é de todos, para todos e nela cabem todos,  Porque Jesus Cristo também deu a vida por todos, todos, todos e não só por alguns”, concluiu o sacerdote.

 

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