Bispos rejeitam legalização da eutanásia e generalização de respostas de «morte»

Nota Pastoral recorda «inviolabilidade» da vida

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) divulgou hoje uma nota para contestar uma eventual legalização da eutanásia no país, rejeitando soluções que coloquem em causa a “inviolabilidade” da vida.

“Não pode justificar-se a morte de uma pessoa com o consentimento desta. O homicídio não deixa de ser homicídio por ser consentido pela vítima: a inviolabilidade da vida humana não cessa com o consentimento do seu titular”, refere o texto do Conselho Permanente da CEP, enviado hoje à Agência ECCLESIA.

A nota pastoral, intitulada ‘Eutanásia: o que está em causa? Contributos para um diálogo sereno e humanizador’ começa por recordar o debate em curso na Assembleia da República e na sociedade sobre estas matérias.

Os bispos criticam a “atitude simplista e anti-humana” de quem embarca em soluções tidas como “fáceis”, sublinhando que “não se elimina o sofrimento com a morte: com a morte elimina-se a vida da pessoa que sofre”.

“Pode afirmar-se que a eutanásia é uma forma fácil e ilusória de encarar o sofrimento, o qual só se enfrenta verdadeiramente através da medicina paliativa e do amor concreto para com quem sofre”, sustentam.

Para CEP, a legalização da eutanásia e do suicídio assistido seria uma mensagem com “graves implicações sociais” na forma de encarar a doença e o sofrimento.

“Há o sério risco de que a morte passe a ser encarada como resposta a estas situações, já que a solução não passaria por um esforço solidário de combate à doença e ao sofrimento, mas pela supressão da vida da pessoa doente e sofredora, pretensamente diminuída na sua dignidade. E é mais fácil e mais barato. Mas não é humano!”, pode ler-se.

Os responsáveis católicos assinalam que alguns doentes, de modo particular os mais pobres e débeis, poderiam sentir-se “socialmente pressionados a requerer a eutanásia, porque se sentem ‘a mais’ ou ‘um peso’”.

Os bispos católicos equiparam a eutanásia ao suicídio assistido, distinguindo estas práticas da “obstinação terapêutica.

“É bem diferente matar e aceitar a morte. Quer a eutanásia, quer a obstinação terapêutica, constituem uma ingerência humana antinatural nesse momento-limite que é a morte: a primeira antecipa esse momento, a segunda prolonga-o de forma artificialmente inútil e penosa”, precisam.

Segundo a CEP, subjacente à legalização da eutanásia e do suicídio assistido está “a pretensão de redefinir tomadas de consciência éticas e jurídicas ancestrais” relativas ao respeito e à sacralidade da vida humana.

“O valor intrínseco da vida humana em todas as suas fases e em todas as situações está profundamente enraizado na nossa cultura e tem, inegavelmente, a marca judaico-cristã”, referem.

Os bispos recordam ainda que a própria Constituição Portuguesa o reconhece, ao “afirmar categoricamente que «a vida humana é inviolável»” (artigo 24º, nº 1).

Como a eutanásia, acrescenta a nota, “nunca é absolutamente seguro que se respeita a vontade autêntica de uma pessoa”, dado que este pedido pode representar “um estado de espírito momentâneo”.

“O Estado e a ordem jurídica, ao autorizarem tal prática, estão a tomar partido, estão a confirmar que a vida permeada pelo sofrimento, ou em situações de total dependência dos outros, deixa de ter sentido e perde dignidade, pois só nessas situações seria lícito suprimi-la”, lamentam.

A CEP apela a um “vasto trabalho de esclarecimento” para que a sociedade opte por “ajudar a viver até ao fim” e “não a matar ou a ajudar a morrer”. E levanta um conjunto de questões  (26) onde pretende esclarecer o assunto.

“É absurdo falar em ‘direito à morte’, como seria absurdo falar em ‘direito à doença’, porque o direito tem sempre por objeto um bem (à vida, à saúde, à liberdade) na perspetiva da realização humana pessoal, e a morte não é nunca, em si mesma, um bem, pois todos os bens terrenos pressupõem a vida, e nunca a morte”, refere o documento, enviado à Agência ECCLESIA.

O texto propõe uma distinção de conceitos, a começar pela definição de eutanásia como “uma ação ou omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento”.

Suicídio assistido, morte assistida, obstinação terapêutica ou distanásia são questões explicadas em forma de pergunta e resposta.

“Quer a eutanásia, quer a obstinação terapêutica, desrespeitam o momento natural da morte: a primeira antecipa esse momento, a segunda prolonga-o de forma artificialmente inútil e penosa”, pode ler-se.

O documento considera “legítimo” reclamar a “humanização do fim da vida”, oferecendo à pessoa os cuidados de que necessita.

O documento recorda, por outro lado, que as legislações holandesa e belga permitem a eutanásia de crianças com o consentimento dos pais, questionando se é possível falar, nestes casos, numa “eutanásia voluntária”.

“A eutanásia e o suicídio não representam um exercício de liberdade, mas a supressão da própria raiz da liberdade”, acrescenta.

Para os bispos católicos, a dignidade da vida humana não depende de “circunstâncias externas e nunca se perde”.

Os bispos católicos sublinham a importância dos cuidados paliativos e dedicam uma parte do texto ao tema da “sedação paliativa”, que “não deve nunca servir para abreviar a vida do doente”.

“As necessidades dos doentes em fim de vida e terminais assentam essencialmente no alívio do sofrimento físico e psíquico, prestado por uma equipa devidamente capacitada, no apoio espiritual e no suporte afetivo através da família e amigos”, precisam.

CR/ Ecclesia

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