E depois?

Por Carmo Rodeia

Quando nos pediram para ficar em casa, sabíamos que um dia voltaríamos a sair. seria uma inevitabilidade. Só não sabíamos quando é que isso aconteceria, nem que vida iríamos encontrar. E continuamos a não saber, pois a esmagadora maioria de países que adotou a medida está a adiar o seu fim. Veja-se a França, menos falada que a Itália ou a Espanha, e que prolongou esta tarde o confinamento até 11 de maio. E, com franqueza, não sabemos também qual será o rumo da nossa vida, embora possamos antecipar muitas dificuldades. Muitas mesmo!

Na Foreign Policy citada num trabalho publicado no Observador, Shivshankar Menon, diplomata indiano e antigo conselheiro do ex-primeiro-ministro Manmohan Singh para questões de segurança externa, resumiu numa simples frase aquilo que vê depois da Covid-19: “Estamos a ir em direção a um mundo mais pobre, mais ruim e mais pequeno”. O pior é que neste mundo parece que cada um sabe de si e há um que começa a saber mais de todos, que é a China, refere. E não sei se isso será assim tão bom.

Segundo os analistas internacionais, esta pandemia  poderá tornar-se numa das maiores crises do pós-Guerra Fria, e pode fazer estragos maiores do que as duas anteriores. Por isso, a questão levantada hoje pelo Papa deve estar no centro da nossa atenção. Bem sei que agora é tempo de curar a doença, estancar o seu crescimento e fazer com que cada vez menos vidas possam ser perdidas.

Na Missa desta segunda-feira, na Capela de Santa Marta, o Papa Francisco afirmou: “Também hoje, diante do próximo – esperamos que seja em breve –, próximo fim desta pandemia, há a mesma opção: ou a nossa aposta será pela vida, pela ressurreição dos povos, ou será pelo deus dinheiro”.

Aliás, o Papa Francisco neste fim de semana, nas várias celebrações deixou um itinerário possível para ultrapassar esta grande crise. Depois de nos dizer no dia 27 que ninguém vencerá esta pandemia sozinho, que todos estamos no mesmo barco, na noite escura da vida, “frágeis e desorientados”, o Papa pediu unidade. Desde logo, aos crentes para que permaneçam unidos na oração. Só o sentido de comunidade, unidade e fraternidade podem ajudar a ultrapassar os medos que a todos atingem. Um sentido de comunidade que abrange outras religiões, línguas e nações, porque no fundo somos “uma família humana”. Depois, assentou esta oração na compaixão e na ternura, fios condutores da Via-sacra da passada Sexta-feira Santa, onde deu voz a meditação de reclusos entre tantos outros, que gritavam apenas a expressão do seu sofrimento dando corpo à dor, à fragilidade humana, isto é, à nossa vida, com Covid-19 ou sem ele. Dores que sobram e se sentem numa sociedade onda a indiferença perante elas só nos envergonha enquanto pessoas.

“Este não é tempo para a indiferença, porque o mundo inteiro está a sofrer e deve sentir-se unido ao enfrentar a pandemia”, afirmou o Papa na bênção pascal.

“Jesus ressuscitado dê esperança a todos os pobres, a quantos vivem nas periferias, aos refugiados e aos sem abrigo. Não sejam deixados sozinhos estes irmãos e irmãs mais frágeis, que povoam as cidades e as periferias de todas as partes do mundo”, enfatizando aquilo que tem sido o seu pontificado, nomeadamente pedindo uma economia mais humana e menos centrada nas finanças e no dinheiro. Ou nas armas, quando pediu para se ter a coragem de promover “um cessar fogo global”.

“Este não é tempo para continuar a fabricar e comercializar armas, gastando somas enormes que deveriam ser usadas para cuidar das pessoas e salvar vidas. Ao contrário, seja o tempo em que finalmente se ponha termo à longa guerra que ensanguentou a amada Síria”, disse na Bênção Urbi et Orbi deste domingo de Páscoa.

“A crise que estamos a enfrentar não nos faça esquecer muitas outras emergências que acarretam sofrimentos a tantas pessoas. Que o Senhor da vida Se mostre próximo das populações da Ásia e da África que estão a atravessar graves crises humanitárias”.

“Hoje ecoa em todo o mundo o anúncio (…) ‘Jesus Cristo ressuscitou’, ‘ressuscitou verdadeiramente’!”, afirmou o Papa Francisco neste Domingo de Páscoa, recordando o acontecimento fundador da nossa fé.

Vivemos tempos estranhos. Em tempo de guerra, diz o povo, não se contam espingardas. Mas pode reajustar-se a mira de algumas no sentido de se pouparem vidas. Por causa da doença, mas sobretudo por causa dos efeitos secundários do tratamento.

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