Estados Criminosos

Desde que o Papa João Paulo II pediu desculpa pelos pecados da Igreja, que todos passamos a ser culpados não apenas pelo nosso comportamento pessoal, para o qual temos uma consciência que à falta de mais saber eu chamaria de natural, mas também pelo comportamento das organizações onde nos integramos.

Quando um empregado de uma qualquer empresa ou organização sabe que a sua entidade engana clientes, fornecedores, trabalhadores ou sócios tem a obrigação, certamente difícil, de chamar a atenção aos responsáveis e de discernir com coragem a melhor atitude a tomar. Não se trata de ser justiceiro mas de não participar em algo que está mal e faz mal. E o mesmo acontecerá com outras instituições, sejam elas partidos, famílias, clubes ou associações.

Se conceptualizarmos bem essa atitude face às nossas instituições não é nada fácil mas foi isso mesmo que Cristo fez com os do seu país e os da sua religião. Não foram os romanos que o condenaram mas o rei da sua terra e os chefes da sua religião. O caminho parece simples e certamente não é necessário fazer a revolução mas de falar e agir com verdade apesar das condenações de Estados e Religiões. A esperança subjacente é que as pessoas e as entidades têm falhas mas a sua correção passa primeiro pelas pessoas na sua procura das bem-aventuranças.

No entanto, com as ideologias simplificadoras e moralistas que a comunicação social facilmente adopta e que as audiências aceitam, o que existe ontologicamente não é o bem e o mal no coração dos homens mas o lado bom e o lado mau da realidade e, necessariamente, os bons e os maus, os índios e cow-boys, o eixo do mal e o eixo do bem.

Esta atitude embora estruturalmente errada é relativamente inócua e até percebível quando, associamos um mal a um grupo ou às pessoas que o exercem. É assim natural condenar o mal do terrorismo e sancionar todos os terroristas. É igualmente compreensível que nos defendamos dos males da droga e que ataquemos os traficantes.

No entanto quando ampliamos o atributo de mal a um grande grupo como um Estado, uma Religião ou uma Raça passamos rapidamente a uma falta de discernimento e a uma manutenção de atitudes e posturas que escravizam os homens pelo medo, tornam-nos injustos e medíocres, e incitam-nos ou desculpam – nos quando fazem mal.

A passagem do confronto com a Al Qaeda – que bombardeou as Torres Gémeas e a Atocha – para o Estado Islâmico, que se expande envolvendo aldeias e cidades, exércitos e políticos, já não fácil conceber que todos sejam maus apesar de, sintomaticamente, os actos que praticam sejam ainda mais diabólicos do que os da Al Qaeda com decapitações de jornalistas de cristãos. O drama é que em situação de guerra os crimes mais horrendos parecem ganhar espaço até porque a responsabilidade de cada um nesses actos perde lugar – seja na decapitação de pessoas seja no seu bombardeamento cirúrgico à distância.

Sem nos apercebemos deixámos de nos preocupar e culpabilizar com as mortes e atrocidades não só no Estado Islâmico e no Boko Aram mas também na Rússia e na Ucrânia. Simplesmente tomamos uma das partes e aceitamos que tudo possa e deva ser feito para que a outra parte seja punida e esmagada. E só temos esta perceção porque em muitos conflitos temos dificuldade em perceber os bons e os maus se é que os há. Resta-nos rezar para que tenhamos a sabedoria para entender e a coragem para agir. Mas entretanto é bom que percebamos que culpa podemos levar no nosso saco.

Tomaz Dentinho

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