Habituados há tempo demais…

Por Carmo Rodeia

“Os preços dos combustíveis só descem quando acabar a guerra”, disse esta quarta-feira o Primeiro-Ministro, António Costa, em Paris, em declarações aos jornalistas, entre um almoço com o presidente francês Emanuel Macron e uma visita a uma exposição.

“É preciso ser claro para todos, os preços só vão baixar quando a guerra parar e quando for restabelecida a normalidade no fornecimento de combustível. Enquanto a guerra continuar, enquanto continuar a haver este aumento do preço no mercado internacional, é evidente que [o preço] sobe também em Portugal”, disse António Costa aos jornalistas, como o que a deixar um conselho: habituem-se que não há volta a dar.

E prosseguia: “Estas medidas que implementamos do ponto de vista local podem mitigar o impacto para o consumidor e para as famílias, as medidas de apoio às empresas que são consumidoras intensivas de energia podem mitigar este aumento, mas obviamente que mitigar não significa eliminar”.

Fez-me lembrar o Primeiro-Ministro António Costa de 2017, embora, reconheço, com um tom menos áspero do que aquele que adoptou quando morreram 70 pessoas, na sequência de um incêndio em Pedrogão. Na altura disse-nos que nos habituássemos aos incêndios, e consequentemente aos seus efeitos, “porque os governos não têm varinhas de condão” nem “há soluções mágicas para os incêndios” e os portugueses , como adultos, “sabiam isso”.

Sabemos, então não sabemos…”São as voltas, ai amor são voltas/ são as voltas da maralha” como cantam na Vaca de Fogo, os Madredeus. E, neste caso, a `sentença´ está dada: habituemo-nos. Habituemo-nos, pois, se entretanto conseguirmos sobreviver ao `hábito” que mais do que fazer-nos monges, como diz o ditado,  faz-nos bem mais pobres.

Senão vejamos.

A escalada de preços dos combustíveis vai continuar; e por via disso, todos os preços de matérias consumíveis vão disparar e não vão existir outras ajudas.

O aumento dos salários médios abrandou para 1,9% no último trimestre do ano, em termos homólogos, para 1.507 euros, o que de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) significa que os salários estão a cair em termos reais. Portanto, com o mesmo dinheiro compramos muitíssimo menos, embora os dias dos meses se mantenham e a comida seja necessária durante todos os mesmos dias.

Os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) revelam que Portugal está na lista dos dez países com um salário médio mais baixo. Em 25 anos, não houve melhorias comparativas. Pelo contrário, em 2020, ano do indicador mais recente, Portugal ocupava a 6.ª posição mais baixa entre 35 países.

Dois terços dos trabalhadores por conta de outrem (TCO) em Portugal já estarão a perder poder de compra salarial.

Resumindo estamos de novo em austeridade e ninguém nos avisou convenientemente, mas já devíamos estar habituados. Afinal somos adultos e informados.

O orçamento que acaba de ser aprovado, e ainda não foi promulgado, está desatualizado e tem  como valores de referência outra realidade. Mas, não há medidas alternativas, pelo menos até ao fim do ano.

“Habituem-se!?”. Estamos mais do que habituados, pena é que estejamos igualmente conformados. Se não é assim, parece.

O mundo está mesmo estranho, e cada vez mais desigual. E Portugal está também cada vez mais desigual. Gritantemente desigual: desigualdade entre quem trabalha no sector público e no sector privado; mas também uma desigualdade entre homens e mulheres, para trabalho igual. Para já não falar nos jovens. Enchemos a boca para dizer que possuímos a geração mais qualificada de sempre, e que orgulho isso é; mas também devíamos dizer com vergonha que temos a geração mais qualificada e melhor preparada que é a mais mal paga de sempre.

O PIB português até cresceu no primeiro trimestre mais do que em todos os países da zona euro , mas nos últimos dois anos Portugal não conseguiu sequer convergir com a média europeia; aliás, até perdeu dois pontos acima da média Europeia e recuperou menos e mais devagar. É o que dizem os economistas…

Para ajudar á festa, a taxa de inflação de referência, considerada no OE é de 4%, quando na realidade já se abeirou dos 8%.. E os juros vão aumentar representando mais encargos para as famílias que têm crédito à habitação.

Habituem-se!, pois…

O Papa no inicio da pandemia alertava, e bem, que ninguém se salva sozinho. Mas com estas opções ninguém se salva mesmo, nem sozinho nem acompanhado.

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