“Olho o Céu na Rocha da Relva onde não há luz e, de cada vez que faço isso, percebo o tamanho da minha condição e interrogo-me sobre a razão da minha existência. Esta explicação encontro-a em Deus”

Aníbal Raposo foi o convidado da XI Conversa na Sacristia, em São José

“Como é que eu vejo Deus?”. A pergunta feita por Aníbal Raposo mais do que uma vez na última “Conversa na Sacristia”, que decorreu ontem em São José, ao fim da tarde, é a interpelação a que procurou dar resposta ao longo de toda a intervenção, “sem certezas” mas com “muitas dúvidas. Sobretudo com uma bela dose de “sinceridade” porque ao falar da sua relação com a religião e com a espiritualidade, tema que estava no título da sua comunicação, colocou-se sempre na “perspectiva de um caminhante”, qual nómada cristão.

“Sou crente por tradição religiosa; passei pelo seminário menor, na Igreja do Colégio. Com 11 anos escrevi ao meu pai a dizer que não tinha vocação, tinha namorada e queria casar”. A partir daí, tudo parece ter sido diferente, não do que antecipava, mas na sua relação com a fé.

“Aprendi a ser crente porque recebi alguns sinais” confessou.

“Como é que eu vejo Deus? Vejo um Deus Criador, que está imbuído nas coisas: fico emocionado com o crescimento das plantas; olho o Céu na Rocha da Relva onde não há luz e,  de cada vez que faço isso, percebo o tamanho da minha condição e interrogo-me sobre a razão da minha existência. Esta explicação encontro-a em Deus” sublinhou, acrescentando de imediato que não é isso que o faz crer “que a salvação só se consiga dentro da Igreja”.

“Já rezei em mesquitas e outros templos e todas as vias são interessantes para chegar a Deus. Gosto muito de rezar, não aquelas rezas feitas, é sempre uma conversa frente a frente sobre o que me vai na alma. E rezo para agradecer e acredito na eternidade porque sou poeira das estrelas”.

Depois de um divórcio e duas filhas, Aníbal Raposo refez a vida. Desta vez regressou à Igreja para pedir o sacramento do matrimónio.

“É estranho: casei-me pelo civil, tive duas filhas e divorciei-me. Voltei a casar, desta vez fazia sentido ser pela Igreja e pude fazê-lo. Hoje posso abeirar-mo do altar e comungar. Se tivesse sido ao contrário não poderia. No que é que eu sou melhor do que os outros?”, interpela de novo, lembrando-se porventura de uma parte do título da sua conversa que ficou por esclarecer: “A minha relação com a religião e com a espiritualidade num tempo das Igrejas vazias”, certamente inspirado no livro do Thomàs Halîk.

“Praticar a espiritualidade é dar sentido à vida: torna-nos mais compassivos, mais aptos para perdoar…” desabafa, porque um “homem que não se interroga é meio homem”.

“A maioria dos rituais da Igreja são muito repetitivos e há muitos textos lidos que me irritam profundamente” mas não tem dúvidas: a “virtude”, outra forma de dizer santidade, faz-se “na relação com os irmãos”, na capacidade de “nos compadecermos uns com os outros” acrescenta”.

“Devemos procurar a virtude e chegar à tranquilidade e à paz. Tendo paz devemos ter liberdade plena para que a nossa alegria contagie os outros”, concluiu, novamente com dúvidas.

“Porque é que os padres não podem casar, porque é que quem vive uma segunda união não há de poder comungar?”, questionou percebendo, contudo, que estes são também temas em debate na Igreja, especialmente na assembleia sinodal do sínodo.

Engenheiro, gestor de empresas e artista por vocação, sendo poeta, pintor e cantautor, Aníbal Raposo integra uma geração que nos últimos quarenta anos tem vindo a contribuir para a renovação da música popular açoriana.

As “Conversas na Sacristia” são um projecto de evangelização e pensamento da fé através da cultura, das artes e da ciência, num processo de escuta, de acolhimento e de diálogo com todos, de uma Igreja de portas abertas para os sentidos, para a espiritualidade contemporânea.

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