Os Passos da Gente

Maduro Dias, presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz

Por Maduro Dias

Começada a Quaresma, na igreja Católica e entre os seus membros começam, também, as Procissões de Passos.

Nos Açores e na ilha Terceira têm uma sequência que vem de muitos anos, sendo que, na Cidade episcopal de Angra, a procissão ocorre no segundo Domingo da Quaresma.

São momentos de recordação e recolhimento, segundo se pensa trazidos para a Europa tardo medieval pelos cruzados que, regressando da Terra Santa e querendo relembrar o percurso de Jerusalém, o reencenaram nas suas terras de origem.

Tornou-se, assim, um modo de relembrar e reviver a via dolorosa da Cidade Santa, que eles já não podiam voltar a percorrer, sobretudo depois de perdido o último reduto de São João de Acre, em 1291, e consolidado o domínio muçulmano.

Não é por aí, porém, que gostaria de levar, hoje, os passos do vosso e do meu pensamento.

Acontece que, por estes dias, me passaram pelos olhos dois factos, os quais, juntos, bem poderão ser interessantes e ajudar a ver o nosso andar, à sombra desses outros passos, de há dois mil e poucos anos.

Um foram duas imagens onde Jesus aparece em diálogo com alguém a quem pergunta: “qual parte da Minha história te faz crer que Eu gosto de cruzes?”. Perdoem-me os mais ortodoxos, mas, de facto, a Cruz não é o objectivo, nem o sacrifício e martírio o são, nem podem ser vistos como tal. Será o caminho, porventura o último passo, em alguns e dolorosos casos necessário, mas acredito e penso que deve sempre ser vista como porta de passagem, estreita e agreste, e para algo maior. Ficar agarrado à cruz não me aparece como o mais certo.

Outro foi quando dei de caras, na TV, com o sorriso de Navalny. Um sorriso calmo, permanente e subliminar mesmo quando ficava sério, que o acompanhou sempre, nos momentos felizes, quando regressou a Moscovo e foi novamente preso, quando gracejou com o juiz, curtos dias antes de morrer.

Sabemos que evoluiu muito entre as posições tomadas em 2014 e as de agora, e sabemos que não era um anjo, mas é sobre o seu sorriso que gostava de pedir atenção. Era um sorriso de quem via por cima, olhando um outro horizonte, lá longe nas nossas costas. Um sorriso de quem se sentia fora do alcance de quem o perseguia e torturava, que deve ter sido bem irritante de olhar por quem o atacava. Dava a ideia de que podiam fazer o que quisessem que não o atingiam. Mais ainda, que não matavam as ideias que perseguia e defendia.

E é por aqui que me fico, nestas comparações, passando a outro sorriso, o do Papa Francisco e ao seu combate, permanente, em favor de uma religião onde a alegria ultrapassa o sacrifício e a dor.

É certo que os atletas sofrem nos treinos, que os estudantes de cirurgia passam noites em claro para poder, no corte certo do bisturi e em horas de tensão e suor, salvar vidas, junto á mesa de operações, mas é no pódio ou no sorriso do doente, dias depois, que têm o prémio.

Quando, durante este fim de semana, levar a imagem do Senhor, pelas Ruas de Angra, lembrar-me-ei que esta é uma religião onde o sorriso ultrapassa a dor, onde a alegria, partilhada e livre, são o objectivo.

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