Perdão e MIsericórdia

Por Francisco Maduro Dias

Acredito que muitos conhecem o episódio relatado no Evangelho de São João, 8-12, que costuma ser referido como o da Mulher Adúltera.

Desse episódio guardo, desde há muito, dois momentos. O primeiro quando Jesus sugeriu «Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!» e, no fim, quando diz «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.»

Perdoar, segundo as pesquisas que fiz, vem do latim tardio perdonare, que vem, por sua vez, de per- + donare, dar. Significa deixar de querer mal a alguém responsável por um acto que prejudicou ou fez sofrer, renunciando à aplicação de um castigo ou punição; não guardando ressentimento em relação a um agravo.

Em boa verdade não é um acto de momento, é o resultado de um processo que inverte a maioria dos sentimentos habituais de reacção a uma ofensa ou a um acto vil, permitindo aquilo que, à falta de melhor expressão, poderei dizer que é a entrada num ciclo, virtuoso e ascendente, de libertação de energia interior.

Misericórdia, por sua vez, resulta de três palavras latinas, miseris, cor e dare, que, juntas, significam dar o coração àqueles que são vítimas da miséria.

Aprendi, em pequeno, a dar valor a elas duas e, mais ainda, aos conceitos que estão por detrás, prestando atenção, sobretudo, a coisas como dar e miséria.

Dar, porque é evidente a sua relação com os outros, e miséria porque aquela a que se referem os pensadores não é tanto a das faltas de dinheiro ou de meios, mas a miséria humana maior, que resulta das tempestades internas de cada um, sendo para essa que a misericórdia também devia olhar.

Nestes tempos em que a culpa, o castigo, o pagar pelo que se fez, são apregoados aos quatro ventos, em que uma mentalidade estranha leva a que textos sejam mutilados, a História reescrita, palavras sejam esconjuradas porque ofendem, falar nestas duas ideias até parece blasfémia.

Tudo, ou quase tudo, parece centrado nos direitos de cada um, individualmente considerado na sua plena, solitária e frágil soberania, porque parece que as pessoas se esqueceram que a humanidade só chegou onde chegou porque o delicado equilíbrio entre a vontade de cada um e a do grupo, foi gerido com mestria.

Sem a inteligência de cada um quase todas as descobertas teriam demorado mais, mas sem a força do grupo, que torna verdadeiro o aforismo de que o todo é mais que a soma das partes, a maioria dos avanços teria ficado pelo caminho.

Neste fim de semana, em Angra, e noutras terras, durante as semanas próximas, várias procissões de Passos andarão pelas ruas. Maior acto de misericórdia e perdão não existe, mesmo se não quisermos aceitar Cristo como Deus, mas gostaria de vos deixar com algo diferente e bastante mais actual: a cena final do filme Philomena, de 2013, onde é abordada a questão das adopções forçadas, acontecidas na Irlanda. A raiva violenta e incontida da freira, já na cadeira de rodas, clamando contra as “raparigas desavergonhadas” e a calma de Philomena (Judi Dench) quando lhe diz que a perdoa e, a seguir, pede ao jornalista que publique o que constatou.

Perdoamos de menos!

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