Somos incompletos e vulneráveis

Por Renato Moura

Lembro-me de, há muitos anos, ter pedido a uma colaboradora o favor de recolher um envelope, vindo de outra ilha, contendo papeis que era urgente receber. Apressei-me a imaginar um rol de soluções, se surgissem dificuldades para encontrar o portador. A Violante, que era a ainda muito jovem colaboradora, fez-me lembrar que não valia a pena me arreliar: bastaria procurar remédio se o problema viesse a existir; e nem foi preciso. Apesar de num tempo em que já me estavam confiadas pesadas responsabilidades, aprendi; nunca mais esqueci e já contei a lição inúmeras vezes.

Creio que é humana a tendência de pensarmos que sabemos, temos razão forte, baseada nos melhores argumentos. Para procurar resistir à tentação, tomei por princípio ouvir a opinião das pessoas próximas na vida, no trabalho e nas funções: sempre colhi aportações relevantes; e muitas delas importantes, de quem não se suporia!

Ao invés, sempre me desgostei, quando me pediram conselhos, ou me investiram em funções de aconselhamento, mas só esperavam concordância plena. Com soberana capacidade para decidir, como não haver paciência para reflectir, ou sequer ouvir sem de imediato contrariar?! Serão fenómenos semelhantes os da dita liderança forte de que uns se prezam e alguns súbditos aplaudem?!

Ouvi um Ministro em entrevista sobre a decisão do novo aeroporto para Lisboa, que considera boa. É legítimo defendê-la com garbo. Mas não percebo a contestação rude e cruel perante as opiniões críticas. Pareceu guindar-se a omnipotente sabedoria, requintada intolerância, e a tomar o entrevistador como opositor. Por já ter levado ao programa pessoas com opinião contrária?!

E como não tomar por petulante arrogância a postura do Ministro das Finanças, na discussão do Orçamento de Estado?

Síndromas desta natureza, submetidas a análises repetidas, permitem identificar um vírus, já com sinais de epidemia, que ataca governantes a esmo, e, ainda antes de atingir a “pandemia”, os pode levar até à “morte” política prematura.

O Papa, na sua reflexão sobre as bem-aventuranças “Felizes os pobres no espírito, porque deles é o reino dos céus” lembrou que pela condição humana, “Todos somos pobres em espírito, somos mendigos” e que “O poder dos homens, mesmo os maiores impérios, passa e desaparece”.

Segundo o Papa Francisco “Cada um, perante si mesmo, sabe bem que, por mais que tente, é sempre radicalmente incompleto e vulnerável”. E afirma: “Mas como vive mal quem recusa os seus próprios limites”. Ainda pior, se assim sendo, molestar os outros.

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