Um Papa e um funeral

Por Carmo Rodeia

Acabo de chegar de Roma. E confesso que vim aborrecida pelo que vi, ouvi e senti.

Mudar nunca foi fácil. E fazer com que os outros, sobretudo os que lidam mal com a mudança a aceitem, ainda será mais complicado.

Já vem da Guadium et spes que para realizar a sua missão, a Igreja no diálogo que é chamada a estabelecer com este mundo, tem o dever de “investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho, para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas”. Torna-se, por isso, “necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático”.

Mas há gente que continua a resistir, preferindo aquela máxima do Príncipe de Salinas- em que “é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma”.

Neste Pontificado todos os sinais nos dizem o contrário. E é isso que incomoda quem, confortavelmente, resiste à mudança.

Desde o primeiro dia que o Papa Francisco tem sido incansável neste esforço. E não só com palavras, mas com atos e, sobretudo com pensamento.

Quis ficar em Santa Marta porque queria contactar com o mundo; foi por mais do que uma ocasião ao encontro de pobres e excluídos para mostrar o que são as periferias; provocou um Sínodo para falar do amor conjugal e filial introduzindo mudanças na disciplina com base no amor; falou do ambiente e da economia para lembrar ao homem que é apenas administrador de uma casa comum  e mais uma criatura amada e perdoada pelo criador, mas sempre uma criatura; decretou um ano jubilar sobre a misericórdia, que tem de ser vivida no concreto, sobretudo pelos cristãos porque queria dizer que só com o perdão iniciamos uma nova vida e podemos, com coragem, olhar para o futuro… e poderia continuar porque os exemplos que este Papa e este pontificado têm trazido à discussão pública são imensos. Mas o que mais comove e me toca é a inteligência do Papa, sempre abrindo portas, sugerindo caminhos, sem forçar mas levando-nos a percorrer um caminho.

Há dois meses o papa Francisco foi rezar junto do corpo de Miriam Wuolou, uma jovem mãe da Eritreia, telefonista em Santa Marta, que morreu subitamente por causa de um problema de saúde.

Responderão os críticos: fá-lo para ser visto e ficar bem visto.

Até há pouco tempo isto seria impensável, mas “Temos de ser normais” e o Papa  não só o diz como pratica a normalidade.

Nem sei porque me dou ao trabalho de escrever sobre isto…A Rolling Stone ou a Time Já tinham dito tudo quando o colocaram nas suas primeiras páginas com o título de figura do ano ou “The Pope is Cool”.

Francisco é um homem do seu tempo que tem a genialidade (como disse o cardeal Walter Kasper) de compreender que a mulher e o homem precisam da misericórdia e do amor. Bastava isto, mas não: o importante é mesmo ser como Giuseppe di Lampedusa, mesmo que as propostas sejam de liberdade, de desprendimento, de pluralidade, de encontro, de acolhimento, de perdão, de paz e de misericórdia… mas se “Ninguém te condenou, também eu não te condeno”, lá diz o Evangelho. Que Francisco repete todos os dias, mas pelos vistos não agrada a alguns. Jesus também não agradou aos sacerdotes…

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