Nanni Moretti: “Infelizmente não sou crente”

Pelo Pe Teodoro Medeiros

O conhecido realizador romano (Palma de Ouro em Cannes) esteve no Pontifício Colégio Português no sábado, 12 de março. Por mais de uma hora, respondeu às perguntas dos presentes, expondo a sua própria visão pessoal sobre o cinema, a sociedade… e também o Papa Francisco. Abaixo se resume o essencial do que foi dito.

– Cada artista tem o seu estilo, a sua visão da realidade… no seu caso, como se deu a descoberta de que queria ser realizador? Quando decidiu que a sua vocação era o cinema?

NM. –Alguns dizem que se lembram do momento preciso em que decidiram “vou fazer isto!”; no meu caso não foi assim… o que aconteceu foi que a uma certa altura apercebi-me que queria comunicar desta forma, escolhi o cinema. Os meus pais foram muito compreensivos, não me disseram que tinha de acabar os estudos ou outra coisa. Foi muito simples.

 

–Quais foram as suas influências maiores entre outros cineastas?

NM. –Foram importantes para mim, nos anos sessenta, sobretudo os filmes de Paolo e Vittorio Taviani (que ainda fazem filmes). Mas sobretudo a Nouvelle Vague francesa, com Truffaut e Goddard. Em Itália, também gostava muito de Bertolucci, além de Fellini (filmes como “Oito e Meio” “La Dolce Vita”) e o primeiro Pasolini .

 

–Para si, o que é um bom filme?

NM. –Um filme, para ser bom, deve ter algo de novo; pode ser uma ideia, um pormenor, uma apresentação. Não basta que o tema seja bom: o filme tem de ser bom, tem de construir algo… não pode tratar os espetadores como se fossem estúpidos e sem uma cabeça para pensar. Um filme bom é um filme que eu não tenha visto já 2000 ou 3000 vezes antes. Há uma certa ingenuidade que é preciso ultrapassar e o cinema ajuda a educar quem quer descobrir coisas diferentes…

Eu também gosto de ver um filme para distrair… durante uma hora e meia vou desligar um pouco o cérebro, não há mal nenhum nisso, mas…

 

–De qual dos seus filmes gosta mais?

NM. –Considero os meus filmes como capítulos da minha vida… fiz 12 filmes e são 12 capítulos diferentes da minha vida… nenhum é mais importante ou melhor do que o outro; são todos diferentes porque eu queria dizer coisas diferentes em cada um deles. E tenho hoje a mesma vontade de comunicar que tinha quando comecei. Nos meus últimos filmes não fui o protagonista, fui um personagem secundário, mas foi uma escolha deliberada; quis convidar bons atores para esses filmes (Michel Piccoli recebeu várias nomeações e um prémio, no Festival de Bari, para o seu Papa de “Habemus Papam”).

 

–Porque escolheu fazer 2 filmes sobre temas religiosos (“La Messa è Finita” e “Habemus Papam”)?

NM. –Não fiz esses filmes por razões religiosas… havia quem dizia: -“sou ateu, graças a Deus”. Mas a minha atitude não é essa; eu digo: infelizmente não sou crente… gostaria de ser, gostaria de ter essa dimensão na minha vida mas não a tenho. Mas fiz esses filmes porque tinha algo a dizer… o padre que vivia sozinho e não conseguia ajudar as pessoas da Paróquia como queria; o Papa que não quer ser Papa. Não são sobre temas religiosos por nenhuma razão especial.

Eu gosto de surpreender, da fazer o contrário daquilo que esperam de mim… falava-se muito de pedofilia quando fiz o ”Habemus Papam” mas o meu filme não fala de nada disso. Foi interessante que alguns disseram que o Papa nunca faria uma coisa daquelas, renunciar a ser Papa; que era uma cobardia e nunca poderia acontecer uma coisa assim. Mas depois, ao invés, quando o Papa Ratzinger renunciou, as mesmas exatas pessoas disseram que o Papa tinha feito algo de muito corajoso.

No filme, o Papa diz que prefere ser conduzido, que não tem força para ser ele a guiar. É curioso que Ratzinguer tenha dito que não tinha forças para estar à frente da Igreja; são situações muito semelhantes. Penso que foi bom para a Igreja e que se vê que Francisco tem força para guiar a Igreja. Gosto do Papa Francisco porque é uma pessoa que não apenas fala, não guia só nas palavras, mas leva muito a sério em si mesmo aquilo que acha que é preciso mudar.

No filme “O Quarto do Filho”, não está explícito mas está lá, quis retratar este casal que perde um filho e que não tem a consolação da fé, não tem esta resposta à sua dor. Uma dor que é ao contrário da natureza, normalmente são os pais a falecer primeiro. Ele vivem essa situação muito pesada e estão mais expostos porque não têm fé.

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