25 de abril: Igreja teve papel de «moderação» na transição democrática

Manuel Braga da Cruz e João Miguel Almeida sublinham ação pluralista dos católicos face a riscos totalitários

Manuel Braga da Cruz, investigador e antigo reitor da Universidade Católica Portuguesa (UCP), sublinhou à Agência ECCLESIA a importância das posições dos bispos no pós-25 de Abril para travar excessos que teriam colocado em risco a construção da democracia.

“O papel da Igreja Católica na transição para a democracia foi um papel muito importante de moderação e de orientação, de retificação de desvios. E esse papel começou antes do próprio 25 de Abril”, refere, numa entrevista publicada na mais recente edição do Semanário ECCLESIA, dedicada a este tema.

Braga da Cruz alude ao “contributo da Igreja para que a sociedade civil portuguesa travasse a tentativa de radicalização do processo revolucionário”, uma ação de “grande importância” para impedir que “uma transição para a democracia se transformasse numa transição para outra forma de totalitarismo político”.

O especialista recorda que já em 1972, no 10.º aniversário da ‘Pacem in Terris’, a Conferência Episcopal Portuguesa “fazia clara e abertamente a defesa da participação política dos cidadãos”.

Mais tarde, os bispos chamam a atenção para “a importância da viragem que se estava a operar”, no sentido da democratização e da europeização de Portugal.

“Vínhamos de uma perspetiva de integração ultramarina, ultrapassada, ou se quisermos até derrotada, no plano internacional, para uma integração europeia”, refere Manuel Braga da Cruz.

O antigo reitor da UCP assinala, por outro lado, que o laicado católico, logo a seguir ao 25 de Abril, se distribuiu “pluralisticamente” por várias organizações.

“O pluralismo político era também interno ao próprio mundo católico e isso impediu que se vissem as coisas como se a Igreja estivesse apenas do lado do autoritarismo e do lado da democracia não houvesse Igreja ou católicos. Pelo contrário”, insiste.

Esta atuação em várias frentes e em várias instituições “impediu que se tivesse criado uma questão religiosa”, ao contrário do que aconteceu em 1910, com a I República.

João Miguel Almeida, do Centro de Estudos de História Religiosa da UCP, refere em texto publicado na mesma edição do Semanário ECCLESIA que a intervenção dos católicos portugueses no processo revolucionário se caracterizou “pelo seu pluralismo e ativismo”, dando continuidade a uma dinâmica já patente nas eleições de 1969.

“Católicos praticantes ou que se tinham afastado da Igreja Católica mas mantinham uma referência cristã e ligações a setores do catolicismo aderiram ou colaboraram com os mais diversos partidos”, observa o historiador.

Para este especialista, os católicos, juntamente com cidadãos não crentes e de outras confissões religiosas, intervieram durante o período revolucionário “nos partidos, associações, sindicatos, nos sucessivos governos provisórios e nas oposições, contribuindo para a formação de um regime democrático em Portugal”.

Também Manuela Silva, antiga presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, elogiou o papel dos católicos na construção da consciência coletiva que ajudou à revolução do 25 de Abril, em 1974.

“Vale a pena lembrar todo o trabalho dos católicos relativamente à conscientização dos cidadãos do nosso país relativamente à guerra colonial, que do ponto de vista do governo era tabu”, recordou.

A ex-secretária de Estado para o Planeamento, no I Governo constitucional (1976-77), relembra também uma corrente chamada “cristãos pró-socialismo” que reunia com a “cumplicidade” de congregações religiosas e discutiam temas numa linha “marcadamente adversa à política dominante”.

O Manifesto dos 101 católicos, em 1965, ou a vigília de 31 de dezembro de 1972 para 1973, na Capela do Rato, em Lisboa, são exemplos da intervenção dos leigos durante o Estado Novo.

Neste contexto, o historiador Luís Salgado Matos comenta que a “energia despoletada” pelo Concilio do Vaticano II “manifestava-se” em relação a um mundo onde o “colonialismo ainda era muito forte, o comunismo russo “continuava atuante” e a afirmar-se como “organização política alternativa ao ocidente”.

O entrevistado observa ainda outros temas como a “questão das mulheres ou da homossexualidade” que não se colocavam, bem como o holocausto.

“A prova é que arriscaram e muito impelidos pelo espírito do Vaticano II. Hoje é fácil de elogiá-los”, observou o presidente do Instituto de Formação Cristã do Patriarcado de Lisboa, o cónego António Janela.

Os movimentos estudantis revelaram-se espaço intervenção e crescimento cívico, nomeadamente a Juventude Universitária Católica (JUC), no ramo masculino e feminino.

“No meu tempo já era muito comprometida com a libertação do povo português, com a renovação teológica. Foi esse ambiente que me incentivou a entrar na vida partidária, foi decisivo, encontrei pessoas com muita preocupação com uma sociedade mais justa”, recordou José Leitão, presidente do Centro de Reflexão Cristã.

41 anos depois do 25 de Abril, o cónego António Janela considera que era preciso que os “cristãos não se instalassem”.

“Que tomassem mais a peito a sua responsabilidade política no sentido pleno da palavra, da construção da cidade. Que não ficassem apenas no interior dos templos, a missão do leigo é no mundo concreto, na família, no trabalho, na intervenção sociopolítico”, desenvolveu o sacerdote.

 

D. Manuel Martins, antigo bispo de Setúbal, critica e caracteriza o tempo atual como “difícil”, por se estar a “perder a esperança” na mudança, e aponta como exemplo as “eleições legislativas e as presidenciais”.

“Era bom que o povo português tivesse ocasião e oportunidade de pensar, de escolher”, acrescentou.

A mais recente edição do Semanário digital ECCLESIA é dedicada à ação e contributo dos católicos na transição democrática em Portugal. A análise a este período histórico vai estar, também em destaque na edição deste domingo do programa ’70×7′ (RTP2, 10h30, hora dos Açores).

CR /Ecclesia

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