“Sem leigos líderes  (não padres em ponto pequeno!), mas líderes nos seus ambientes, a Igreja vai continuar a manter aquele clericalismo pré-conciliar onde os padres é que mandam e fazem e os leigos obedecem e ouvem”

O novo Vigário para o Clero e Formação, padre José Júlio Rocha, é o entrevistado do programa Igreja Açores deste domingo

Ao ser desafiado pelo bispo de Angra, D. Armando Esteves Domingues, para a Vigararia do Clero e da Formação, respondeu que “a única coisa que sabia fazer bem bem era dar abraços”, mas nesta entrevista ao programa de Rádio Igreja Açores, que vai para o ar este domingo, deixa bem claro que os abraços, além do gesto afectivo e cúmplice, encerram também um sentido de partilha de espaço e de escuta de padres e de leigos.

O padre José Júlio Rocha, doutor em Teologia Moral, é desde julho o novo Vigário Episcopal para o Clero e Formação, o que na prática quer dizer que, além do cuidado dos padres procurará promover os leigos, tendo por base um plano de formação que será aquilo que as bases ajudarem a desenvolver.

E se no primeiro desafio proposto pelo Bispo diocesano se sente como `peixe na água`- afinal foi professor de mais de metade do clero da diocese- e a sua facilidade relacional ajuda a proximidade- embora considere a tarefa “hercúlea”, porque “há muitos problemas”-, a verdade é que a formação é um desafio ainda maior. A dos sacerdotes, mas sobretudo a dos leigos.

“O congresso de leigos aconteceu há 31 anos e nós perdemos muita massa critica de laicado. Perdemos cerca de 60 a 70 mil pessoas nestes últimos 30 anos e isto é dramático. Precisamos de nos sentar e de refletir” refere numa entrevista ao programa de rádio Igreja Açores que vai para o ar este domingo no rádio Clube de Angra e na Antena 1Açores.

“Temos ainda gente fantástica comprometida; temos de ver como é que poderemos retomar este espírito sinodal de uma Igreja comunhão, que caminha em conjunto sem que sejam apenas os padres a mandar”, acrescenta.

“Precisamos promover o laicado. Sem leigos cultivados, formados, sem leigos líderes  (não padres em ponto pequeno), mas líderes nos seus ambientes, a Igreja vai continuar a manter aquele clericalismo pré-conciliar onde os padres é que mandam e fazem e os leigos obedecem e ouvem. É exatamente isto que causa um dos maiores problemas pastorais da Igreja”, esclarece ainda.

“É preciso uma acção concertada a partir das ouvidorias, de forma a que os leigos e os sacerdotes possam formar  escolas de formação  de ministérios para catequistas, para acólitos , para leitores, para ministros extraordinários da comunhão, para visitadores de doentes, para os movimentos…A médio e longo prazo gostaríamos de ter uma massa pensadora de leigos dentro da Igreja” diz ainda, sublinhando “algumas iniciativas” promovidas por ouvidorias, instituições e movimentos, como as Jornadas de teologia no Seminário, as Semanas Bíblicas ou as Jornadas da Praia, “mas que não formam um conjunto organizado para a formação do laicado, que é a grande preocupação”.

A primeira iniciativa neste sentido vai ser já no próximo fim-de-semana em São Jorge onde se reunirá com leigos e com os sacerdotes para “iniciarmos um plano de formação que tem de envolver todos. Estamos a precisar disso”.

“A formação é das maiores urgências, não só a formação permanente de padres mas sobretudo a formação com vista à promoção do laicado” adianta ainda.

Nesta entrevista, o padre José Júlio Rocha, que mantém a docência no Seminário e a organização do Clube de Leitura, uma das iniciativas que promove com mais gosto- “Juntámos pessoas que gostam de ler e discutimos a realidade a partir da literatura”-, o sacerdote, que é também assistente da Comissão Diocesana Justiça e Paz, fala nesta entrevista dos problemas do Clero açoriano, que teve como último Vigário o padre José de Lima, a quem recorda pela “sensibilidade paternal”.

“Os sacerdotes devem sentir-se realizados na sua missão, primeiro por causa de Jesus mas também na sua relação com a Igreja. Muitos de nós dizemos primeiro Jesus e depois a Igreja, mas na verdade para nós cristãos, vivemos Cristo na Igreja” salienta.

“A única coisa que garanto é que vou dar tudo, como amigo e como irmão para esse meu trabalho. Muitas viagens, muitos aeroportos e eu devo ser uma presença nessas ilhas… Os abraços não se dão por telefone”.

Nesta entrevista, o padre José Júlio Rocha, que é também assistente da Comissão Diocesana Justiça e Paz olha para a realidade social nos Açores com “preocupação”.

“Tenho medo do discurso que diz que enquanto se dá dinheiro para as pessoas não trabalharem está se a fomentar a preguiça dos que não trabalham e a promover a desistência dos que trabalham … Julgo que o problema dos Açores não é o rendimento social de inserção mas sim a subsidiodependência de empresas, muitas delas grandes, que recebem apoios do governo quando se calhar não o deveriam fazer”.

E vai mais longe: “o dinheiro que desaparece dos cofres do Estado muitas vezes não é para matar a fome aos pobres mas para matar a ganância dos ricos, o  que faz com que a subsidiodependência não seja dos pobres mas dos ricos, muitas vezes”, diz ainda.

“Uma sociedade que não tem capacidade de gerar riqueza ela própria e tem necessidade de estar sempre pendurada nos apoios governamentais é uma sociedade que não progride. Bem sei que é difícil ter uma economia sustentável nos Açores sem recurso a fundos públicos mas ganhemos autonomia,  geremos riqueza para aliviar o Estado e este possa cumprir as suas funções sociais olhando para os mais desfavorecidos” conclui convidando a uma “verdadeira” aposta na educação cujos resultados embora não acompanhem a visibilidade necessária para os ciclos eleitorais poderão ser decisivos para a mudança.

Na entrevista, o padre José Júlio Rocha fala ainda dos jovens e da necessidade de também nesta faixa etária a igreja capacitar lideres que possam mobilizar outros jovens e da religião como uma forma de garantir a estrutura moral de uma sociedade.

A entrevista vai para ar este domingo, depois do meio dia no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores.

 

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